Por Arthur Felipe Martins*
Não há como falarmos de Estado democrático de direito sem tratar da garantia, entregue a qualquer indivíduo, de acessar o Judiciário e levar o seu problema ao conhecimento de um juiz.
O acesso à Justiça é valor fundamental para a garantia da igualdade e da dignidade humana em qualquer sociedade. Porém, quando se fala nessa garantia com enfoque no trabalhador, esse princípio ganha ainda mais força: o empregado, elo mais fraco na corrente produtiva, precisa receber tratamento adequado para igualar-se ao empregador, superando barreiras econômicas e técnicas quando o assunto é debater direitos e deveres na Justiça do Trabalho.
“Sem advogado não há justiça e sem justiça não há cidadania”. Essa frase dita pelo excelentíssimo ministro em fevereiro de 2021 enquanto presidente do Superior Tribunal de Justiça, não é por acaso. A advocacia, serviço considerado de utilidade pública no Estado democrático e com importância devidamente reconhecida na própria Constituição Federal, é a parte intermediária entre as partes e o juiz, sendo responsável por colher a reclamação do indivíduo e orná-la com os dispositivos e normas que a transformem em um pleito justo e defensável.
Entretanto, em alguns ramos do Judiciário, é possível que o indivíduo, desassistido por advogado, busque acessar a Justiça e levar suas razões ao conhecimento de um juiz. A esse fenômeno, cuja presença é notada no Direito do Trabalho brasileiro desde a sua concepção, é dado o nome de jus postulandi, e ele possui limitações que são esperadas: o leigo que decide buscar o Judiciário sozinho vai falar de um assunto que não domina. É quase como uma pessoa que vai para uma briga de espadas portando uma faca de rocambole – e essa a principal crítica aplicável a este tipo de atuação.
A famosa “justiça gratuita” é outro instrumento essencial para que o acesso ao Judiciário se dê de forma plena. Previsto no artigo 790, parágrafos 3º e 4º da Consolidação das Leis do Trabalho, presume que, à parte que não tiver recursos suficientes para o pagamento das custas do processo, será garantida gratuidade quanto às custas do processo – inclusive quanto ao depósito recursal, por força do art. 899, § 10º do mesmo diploma.
A Lei 13.467/2017, chamada frequentemente de Reforma Trabalhista, introduziu diversas alterações nesse benefício. Algumas foram muito festejadas, como a extensão do benefício da gratuidade ao depósito recursal; outras, entretanto, um pouco mais infelizes, ao limitar a abrangência da benesse, como a obrigação do pagamento de custas processuais em caso de arquivamento, a imposição do pagamento de honorários sucumbenciais e periciais, e a possibilidade de descontos em créditos obtidos na justiça, ainda que em outros processos.
Esse movimento, que tinha mais traços políticos do que jurídicos, causou uma brusca redução no número de reclamações trabalhistas distribuídas. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, declarou diversos desses dispositivos inconstitucionais, sob o exato argumento de que violavam o direito fundamental de acesso à Justiça e prejudicavam o equilíbrio entre as partes envolvidas em uma reclamação trabalhista.
Sendo a função da gratuidade viabilizar o acesso à Justiça, nos parece que a decisão não é de todo errada, eis que busca garantir um sistema jurídico acessível e inclusivo.
Entretanto, isso causou novo aumento na quantidade de ações ajuizadas. E, para que o acesso à Justiça seja pleno, não basta garantir isenção de custas e possibilidade de demandar sem o auxílio de um advogado: a justiça é aquela que é feita em tempo e modo apropriados, e isso passa obrigatoriamente pela simplificação e celeridade dos processos.
A política judiciária no direito do trabalho é uma das mais eficazes: esse é um dos ramos da Justiça brasileira que mais resolve litígios, entre conciliações e julgamentos. Dados recentíssimos do relatório Justiça em Números 2024 indicam que, apesar de a Justiça do Trabalho ter recebido 28,7% mais processos em 2023 do que em 2022 (reflexo do aumento referido linhas acima), foram encerrados – seja por julgamento, seja por encerramento – mais de oito milhões de demandas somente em 2023.
Se há garantias de acesso, isenção de custas e celeridade, aparentemente há alinhamento com os princípios do Estado Democrático de Direito, eis que promove-se igualdade de tratamento entre as partes, assegura-se o direito fundamental de acesso ao Judiciário e entrega-se justiça com alguma celeridade – ainda que, logicamente, sempre haja espaço para melhoria.
No mundo trabalhista, dispositivos como o jus postulandi e a ampla gratuidade processual são mecanismos essenciais para o acesso à justiça, não obstante tais garantias naturalmente tragam algumas mazelas, como a falta de tecnicidade na postulação desassistida de advogado, ou algum abuso quando há gratuidade.
A busca pelo equilíbrio jurídico e social deve ser constante, e não se resumir a benefícios pontuais. Esses dispositivos, assim, precisam a todo tempo passar por renovações e revisões, para que o cumprimento de seu papel de proteção social e garantia de justiça e humanidade digna sejam plenamente atingidos.
*Dr. Arthur Felipe Martins é advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Acidentário. Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Professor em cursos jurídicos voltados ao Direito do Trabalho e correlações com o Direito Previdenciário.
