Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 90% das empresas no país são de origem familiar. O instituto também aponta que essas organizações respondem também por 75% das oportunidades de emprego no Brasil e pela metade do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas apesar de toda essa relevância econômica e social, um levantamento do Banco Mundial mostra que somente 30% dessas empresas familiares chegam até a 3ª geração e apenas metade delas sobrevivem à segunda.
De acordo com Marcelo Camorim, especialista em sucessão familiar e governança corporativa e presidente do Conselho de Administração e Familiar do Grupo Soares, a passagem de bastão de uma geração para outra costuma ser um dos momentos mais delicados na trajetória de uma empresa, sendo determinante para a sua continuidade ou encerramento. Camorim explica que são vários os motivos que podem provocar o insucesso neste momento de transição entre as gerações. Um deles é o fato de que nem sempre os filhos querem assumir os negócios dos pais, ou quando assumem, não se preocupam em modernizar o negócio ou adotar condutas de gestão profissional.
Camorim explica que ter um plano de sucessão, elaborado de forma profissional, é uma das estratégias fundamentais para que uma empresa passe de geração para geração sempre se fortalecendo mais e mais. O problema é que, segundo revela a pesquisa Pesquisa Global NextGen 2022, elaborada pela consultoria internacional PwC, no Brasil apenas 24% dos membros da geração atual que estão no comando das empresas familiares têm um plano de sucessão robusto. O especialista em sucessão familiar, que atualmente comanda o plano de sucessão do Grupo Soares, holding goiana com 57 anos de história e que atua nos ramos de material de construção, na incorporação imobiliária, na agropecuária e na tecnologia, detalha a seguir dez condutas essenciais para garantir a sobrevivência de empresa de uma geração para outra, confira:
Maturidade dos fundadores
Marcelo Camorim afirma que, mesmo que a empresa seja uma marca sólida e reconhecida no mercado, seu fundador ou fundadores precisam entender que ainda sim a companhia precisa modernizar sua gestão e a cultura de governança corporativa. O especialista lembra que as mudanças nos dias de hoje são extremamente mais dinâmicas do que no passado e só sobrevivem aquelas empresas que não têm medo de se adaptar. “A conduta madura de um fundador que decide, e precisa, fazer a transição para a sucessão, é já proceder durante a sua gestão as mudanças necessárias para receber o seu sucessor e garantir ao mesmo a autonomia necessária para traçar as estratégias adequadas às demandas de cada época”, explica Camorim.
Gestão profissional
O especialista, que já acumula mais de 35 anos de experiência, explica que muitas empresas familiares até sobrevivem por muitos anos com uma gestão sem nenhuma profissionalização, misturando a rotina da família com a dinâmica da empresa. Só que os fundadores não percebem, que apesar da sobrevivência por anos, o seu negócio está estagnado e sempre operando no limite. “Quando vem uma nova geração, aí percebe-se a necessidade de profissionalização dos processos e então temos aí muitos conflitos entres sucessores e fundadores”, conta Camorim. “Por isso a importância de agregar o conhecimento e as estratégias de um gestor profissional. Esse é um importante passo a ser adotado. Com a profissionalização da gestão, os conflitos entre gerações são todos resolvidos para o bem da empresa” revela Camorim.
Mantenha quem conhece bem a empresa
Essa conduta é válida para todas empresas familiares, mas em especial para aquelas de atuação regional. Segundo explica Marcelo Camorim, mesmo que se tenha um profissional de gestão altamente capacitado, que irá trazer sua visão de fora sobre o negócio, é importante ter na gestão alguém que de fato conheça a história, a cultura e o mercado onde a empresa atua. “Essa pessoa, além de ajudar a validar mudanças propostas no processo de sucessão que é deflagrado na empresa, irá contribuir com o conhecimento sobre a vivência e a cultura interna da companhia e absorver novos conhecimentos que são trazidos pelo gestor profissional e que serão fundamentais para a saúde administrativa da empresa”, explica Marcelo Camorim.
Invista agora na geração de amanhã
Marcelo Camorim afirma que mesmo com um processo de sucessão em andamento ou recém-concluído, a empresa precisa já inserir a próxima geração no negócio, mesmo que seja de forma indireta, como um membro de um conselho administrativo. “Essa ideia de um conselho que envolve os mais jovens da família é uma forma de prepará-los para o futuro, pois mesmo que estes não desejem atuar diretamente na organização, é importante para que eles estejam preparados para gerir o seu patrimônio e acompanhar a gestão, se esta for feita por um gestor profissional que não seja da família”, afirma Camorim.
Entenda as mudanças do mercado
Outro passo importante destacado por Marcelo Camorim é sobre a necessidade de entender as inovações do mercado em que a empresa atua e propor produtos e serviços que atendam as necessidades atuais dos consumidores. Segundo ele, para conseguir fazer isso é necessário estar atento não só ao mercado consumidor que a companhia atende, mas também aos processos de produção da mesma e se eles de fato atendem às necessidades do público da empresa. “Esse é um aspecto no qual temos trabalhado bastante no Grupo Soares, que é uma empresa já com muita história e consolidada, mas que ainda sim precisa se manter necessária no mercado e conquistar novos públicos”, lembra.
Diversificar portfólio
De acordo com o especialista, diversificar o portfólio de produtos e serviços faz parte da evolução de uma empresa. Por isso, dentro de seu processo de modernização, é imprescindível avaliar o portfólio da organização e buscar diversificação. Foi justamente essa visão que fez o Grupo Soares, fundado há 60 anos, a buscar em 2007 uma empresa para profissionalizar sua gestão, atualizar seus processos e propor melhorias que envolvem sim a diversificação do portfólio. Hoje o grupo investe em outras áreas que correspondem a cerca de 40% de suas operações nas áreas de agronegócio, incorporação e tecnologias, mas a intenção é de que esse número aumente gradativamente e novos produtos sejam incorporados.
Faça balanços auditáveis
Dentro do processo de maior profissionalização da gestão, Camorim destaca a necessidade da realização periódica de auditorias externas. “Muitas empresas acham isso dispensável, mas não é bem assim. Uma empresa auditada tem um valor maior no mercado do que uma que não é, pois gera mais confiança e consequentemente atrai investidores. É também um fator primordial para o processo de transparência, umas das pilastras da governança corporativa”, diz Marcelo Camorim, ao destacar que a auditoria externa ajuda a melhorar os processos internos e agrega valor à imagem da empresa junto ao mercado.
Invista em ESG
De acordo com Marcelo Camorim, mais do que uma sigla da moda no mundo corporativo, uma gestão ESG (Environmental, Social e Governance ou em português, meio ambiente, social e governança corporativa) irá colocar a empresa na rota de um crescimento sustentável economicamente, ambientalmente e comprometido com a responsabilidade social. “Esses valores estão sendo cada vez mais cobrados pelos diversos mercados consumidores. Por isso digo sempre, que além de estar atenta a como atender às diversas demandas do seu público, uma empresa precisa prestar muita atenção nos seus processos de produção, porque o seu público consumidor está de olho nisso, para saber como eles impactam no meio ambiente e na sociedade”, salienta Camorim.
Faça um acordo de acionistas
O acordo de acionistas é um contrato que tem a finalidade de determinar os deveres, direitos e responsabilidades de todos aqueles que possuem ações de uma empresa. Marcelo Camorim explica que muitas empresas familiares chegam ao patamar de grande corporação e com isso adota o modelo de sociedade anônima aberta ou fechada. Para o especialista em governança corporativa, ter um acordo de acionistas é fundamental para, principalmente num momento de transição de uma geração para outra.
“Esse acordo irá trazer, de forma bem clara, as regras de como os acionistas vão exercer seu direito de negociar suas ações (acordo de bloqueio) ou de votar nas deliberações sociais (acordo de voto). Às vezes, o casamento de um dos herdeiros, por exemplo, pode afetar diretamente a empresa, portanto, saber quais são os termos para que isso ocorra de maneira segura para todos é fundamental. Sempre visando a saúde econômica e administrativa da empresa”, explica o ele.
Supere as resistências internas
Para não ceder às resistências internas por medo de mudanças, a grande diferença está no desejo dos fundadores de promover a mudança e desenvolver um projeto de inovação para a empresa. “A resistência é normal e ela vai acontecer. Por isso, qualquer mudança precisa ser apoiada pelos fundadores. Se eles não quiserem, não vai dar certo”, conta o especialista. Camorim acrescenta que, no decorrer do processo, muitas vezes algumas pessoas não vão se adaptar ao novo modelo e, neste caso, é preciso estar aberto a aceitar que pessoas deixem a participação ativa na empresa, pois será mais saudável para a pessoa e para a empresa.