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Por Rafael Lara Martins
Minha geração cresceu ouvindo que “política, religião e futebol não se discute”. Ainda bem que, com o tempo, aprendemos que política não apenas se discute, mas também se debate e se aprende todos os dias. Foi assim que nós, brasileiros, passamos a ficar mais íntimos dos nomes dos políticos e ministros do STF (sei que isso não seria exatamente política, mas esse assunto fica para outro momento). O problema é que, junto com o debate, veio a liberdade das redes sociais. E debater política tornou-se uma atividade intoxicante.
A definição de política, tanto a geral quanto a aristotélica, foi subvertida e invertida. Na primeira, ao invés de regular os conflitos sociais, ela os estimula (nas famílias, nos templos, nas escolas); na segunda, tem promovido a infelicidade coletiva em uma guerra interminável de verdades absolutas.
Pois que a política, que deveria ser a arte do diálogo, tem nos aprisionado em uma disputa sem o menor sentido. Tornou-se um debate sem escuta e nos tem levado a uma encruzilhada civilizatória, onde até a democracia poderá tornar-se dispensável, como aponta o Datafolha ao registrar que 31% dos brasileiros tolerariam, ou pior, desejam, um regime autoritário.
Mais que escrutinar os motivos que nos trouxeram a essa quadra histórica, importa apontar os caminhos para recuperarmos senão a harmonia, ao menos a sensatez de conviver com a contradição. Alguns pontos, ouso, é nos despirmos da paixão cega pelos líderes; exercer a autocrítica do próprio voto; exigir dos escolhidos os mesmos predicados que cobramos dos rejeitados. Outros, atrevo-me, resistir ao impulso da lacração e do cancelamento do diferente; tolerar a divergência, aceitar empaticamente que a verdade do outro pode ser honesta e genuína; ter a compreensão de que a amplidão da diversidade de pensamento é um sintoma de saúde social.
Da teoria à prática, nas últimas eleições da OAB Goiás houve prova eloquente de que o diálogo franco, fraterno e construtivo é capaz de unir diferenças em prol de algo mais nobre do que as nossas certezas. A união de múltiplas gerações, culturas, raças, sexos, orientações partidárias e outros tais da nossa sociedade esteve em escrutínio. E essa aliança foi sufragada por 80,31% dos advogados, que depositaram sua confiança nessa fusão para comandar a entidade no triênio 2025/2027.
Aquele agrupamento, hoje gestão – de toda miscigenação, um puzzle de ideologias, repiso –, é uma notável expressão das diferenças que existem na advocacia – como as há na sociedade – e de como elas precisam convergir pera que se evolua a instituição. Porque a OAB é feita por e para pessoas. E no sentido lato, pois é maior que as próprias pessoas.
Houve generosamente uma grande concertação para dentro, consensos possíveis laboriosamente edificados, que transbordaram para o conjunto dos advogados e das advogadas de Goiás como uma profecia de novos tempos. Porque, como farol, a advocacia está (sempre esteve) na vanguarda.
Houve ali uma prova de maturação política de um grupo amplamente diverso, com o respeito ao contraditório, que é aquilo que faz a essencialidade do advogado, como erige a imprescindibilidade da própria política. Um exemplo de coletivismo estoico, com sabedoria, coragem, temperança, moderação e justiça, a resgatar uma ética de virtudes, em oposição ao individualismo que ameaça nos arruinar. A esquerda, a direita e o centro dialogando e construindo – sem histeria, com ideias em prol da pauta maior.
A diferença é a nossa força, e não basta apenas aceitá-la; é preciso cultivá-la. O que faz o Brasil ser Brasil é exatamente a riqueza de suas tantas peles, as múltiplas vozes que, mesmo dissonantes, se entrelaçam, a diversidade nativa de credos e culturas, o jeito livre de amar, a fusão de povos de todas as partes do mundo. Não é justamente essa mistura a nossa maior riqueza? Sim, é! Que cesse a violenta e angustiante divisão que nos empobrece, porque a união é o que nos aproxima de um futuro melhor.
* sócio do Lara Martins Advogados, mestre em Direito do Trabalho e doutor em Direitos Humanos pela UFG. Presidente da OAB de Goiás.
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