Daniela Poli Vlavianos
A ação de execução, cujo objetivo é assegurar o cumprimento de obrigações impostas em título executivo judicial ou extrajudicial, tem se diversificado com a introdução de medidas atípicas. Entre essas medidas, destacam-se a apreensão de passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor, visando pressionar o devedor a cumprir suas obrigações financeiras. No entanto, a eficácia e a legalidade dessas medidas têm gerado debates acalorados na doutrina e jurisprudência brasileiras.
O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 139, inciso IV, confere ao juiz a possibilidade de adotar todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento de uma decisão judicial, mesmo que estas medidas não estejam expressamente previstas em lei. Essa inovação trouxe uma flexibilidade maior ao processo executivo, permitindo a aplicação de medidas como a apreensão de passaporte e CNH.
Os defensores dessas medidas argumentam que a apreensão do passaporte e da CNH são formas legítimas de pressão psicológica sobre o devedor, incentivando-o a honrar suas dívidas. Sustentam que essas medidas não violam direitos fundamentais, desde que aplicadas de forma proporcional e razoável. A jurisprudência tem casos emblemáticos onde essas medidas foram consideradas válidas e mantidas sob a justificativa de que visavam coagir o devedor a pagar a dívida, não configurando violação ao direito de ir e vir.
Por outro lado, há uma corrente doutrinária contrária que questiona a eficácia e a legalidade dessas medidas. Argumenta-se que a apreensão do passaporte e da CNH pode configurar violação aos direitos fundamentais do devedor, como o direito ao trabalho e o direito de ir e vir, ambos garantidos pela Constituição Federal. Além disso, esses críticos apontam que tais medidas não atacam diretamente o patrimônio do devedor e, portanto, são ineficazes para garantir o pagamento da dívida. A crítica constitucional destaca que a apreensão da CNH pode prejudicar o direito ao trabalho do devedor, especialmente se ele depender da carteira para exercer sua profissão. Além disso, retirar documentos pessoais do devedor não resulta no pagamento da dívida, pois não atinge diretamente o patrimônio do devedor.
Do ponto de vista prático, a apreensão de documentos como o passaporte e a CNH frequentemente não resulta em uma solução efetiva para o credor. Estas medidas tendem a criar obstáculos na vida do devedor sem, no entanto, garantir o adimplemento da obrigação. Elas podem ser vistas mais como uma forma de punição indireta do que como um meio eficaz de satisfação do crédito. A apreensão da CNH pode limitar as oportunidades de trabalho e comprometer a vida social do devedor. A pressão psicológica frequentemente leva a um comportamento reativo negativo do devedor, aumentando a resistência ao pagamento.
Embora as medidas atípicas como a apreensão do passaporte e da CNH possam parecer uma solução inovadora para compelir o devedor a pagar suas dívidas, elas não apresentam resultados imediatos e diretos na recuperação do crédito. Estas ações são consideradas desproporcionais e ineficazes, uma vez que não incidem sobre o patrimônio do devedor, que é a verdadeira fonte para a satisfação da dívida. A coerção psicológica e a restrição de direitos fundamentais tendem a gerar mais controvérsias jurídicas do que soluções práticas. Portanto, para a efetiva execução de dívidas, é mais apropriado adotar medidas que incidam diretamente sobre os bens do devedor, assegurando assim o cumprimento do crédito sem comprometer direitos essenciais.
Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados