A norma refere-se à interferência feita por um dos pais na formação psicológica do filho, com o objetivo de afetar o vínculo dessa criança ou adolescente com o outro genitor. No entanto, existe uma linha de entendimento que tem ganhado cada vez mais força e pede a revogação da Lei de Alienação Parental, por não considerar a alienação parental como uma conduta que exista de fato ou tenha validade, por diversos motivos. A revogação da norma é pedida, principalmente, por profissionais e entidades que atuam em prol da mulher.
Uma delas é a advogada especialista em defesa dos direitos de mulheres, mães e crianças Ana Carolina Fleury, que afirma que a norma foi criada como resposta à Lei Maria da Penha. “A Lei de Alienação Parental veio como uma represália às denúncias feitas por mulheres e à conscientização delas sobre as violências que sofrem. Essa lei é mais um tipo de violência contra as mulheres, pois propicia a perseguição delas e ajuda a manter mães e filhos em ciclos de violência”, declara a advogada.
Ela explica que, muitas vezes, quando as mães denunciam os pais por agressão contra elas ou seus filhos, esses agressores utilizam a Lei de Alienação Parental para retaliar, sob a alegação de que elas estão impedindo-os de verem os filhos. A advogada especialista em direito das famílias e combate à violência doméstica Vanessa Senra analisa que “a ideia é criar uma cortina de fumaça e deslegitimar a palavra de mães que conseguem romper o ciclo de silêncio ao levar o contexto de violência que elas e seus filhos vivem até o conhecimento do Judiciário”.
Guarda e visitas
Ao adotar a referida estratégia, vários homens obtêm a guarda dos filhos, mesmo após terem praticado as agressões de fato, conforme ressaltam as especialistas. “A reversão de guarda dos filhos ocorre de maneira muito mais fácil quando é pedida por um homem”, salienta Fleury. A advogada Vanessa Senra completa, afirmando que “o Brasil tem um contexto estrutural de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, mas a lei ignora isso e tenta criar a fantasia de que vale da mesma forma para homens e mulheres, quando não é isso o que se observa”.
O uso da Lei de Alienação Parental por homens agressores também pode ser caracterizado como uma das formas de se praticar a chamada violência vicária, que se trata da utilização dos filhos para realizar violência contra a mulher e gerar dor e sofrimento a ela. A alegação dos homens agressores de que estão sendo impedidos de ver seus filhos para conseguir a guarda dos mesmos também pode remeter a outra norma.
A Lei 14.713, de 2023, prevê que o genitor agressor não possui direito à guarda compartilhada dos filhos, o que nem sempre é respeitado na prática, inclusive quando esses pais abusadores utilizam a Lei de Alienação Parental. No entanto, a questão é ainda mais complexa, conforme revela a especialista Ana Carolina Fleury. “Além de ter sido criada bem depois da Lei de Alienação Parental, a lei de 2023 não prevê, necessariamente, que haja impedimento das visitas dos pais aos filhos”, explica.
Problemas na concepção
A raiz do problema da Lei de Alienação Parental está na própria concepção do termo, de acordo com Fleury. “Richard Gardner criou a teoria da Síndrome da Alienação Parental, mas não há referências nem pesquisas científicas por trás disso. Outro ponto de alerta é que, enquanto estava vivo, esse médico trabalhou em vários casos de defesa de pais abusadores e foi apontado, inclusive, como uma pessoa de comportamento misógino e pedófilo”, expõe.
A especialista em direitos de mulheres, mães e crianças também destaca que a Lei de Alienação Parental no Brasil foi criada e aprovada às pressas e não contou com a participação efetiva de mulheres ou coletivos de mães e crianças na sua elaboração. Vanessa Senra reforça que não se trata de um desvio de finalidade da criação da lei, mas sim que ela já foi elaborada com esse objetivo. “A essência dela é baseada numa síndrome que não existe, então não há mau uso da lei. Ela está sendo utilizada para o que se propôs: silenciar mulheres”, aponta.
As duas especialistas defendem a revogação da lei atual e ressaltam que não há necessidade de criação de outra lei. Elas destacam que todos os aspectos de proteção a crianças e adolescentes já estão previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Processo Civil e os diversos tratados internacionais de direito humanos que são ratificados pelo Brasil. O projeto de lei n° 498, de 2018, previa a revogação da lei e, depois de uma modificação em 2020, estabelecia somente a modificação de algumas regras anteriores. Contudo, o projeto acabou sendo arquivado em 2022.