Castração química a reincidentes de crime sexual
O Projeto de Lei n° 3.127/2019, de autoria do senador Styvenson Valentin, foi aprovado por 17 votos a favor e três contrários em votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A tendência é ser encaminhado à Câmara dos Deputados sem alterações.
Antonio Gonçalves
O Projeto de Lei n° 3.127/2019, de autoria do senador Styvenson Valentin, foi aprovado por 17 votos a favor e três contrários em votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A tendência é ser encaminhado à Câmara dos Deputados sem alterações.
O PL tem por escopo o tratamento químico hormonal para a contenção da libido e da atividade sexual para condenados reincidentes nos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável.
Se o condenado aceitar de maneira espontânea a aplicação da medida, então, será concedido o livramento condicional ou a extinção da punibilidade.
A cada 8 minutos uma mulher é vítima de abuso sexual. Em 2023, segundo o Anuário da Segurança Pública, o Brasil teve o maior número de estupros de sua história: 74.930 vítimas, desses 56.820 foram estupros de vulneráveis.
Segundo o Anuário da Segurança Pública 2023 61,4% vítimas de estupro têm entre 0 e 13 anos. O Serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100) recebe, em 2024, dois registros por hora de estupro de vulnerável. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA estima que apenas 8,5% dos estupros são relatados à polícia, portanto, os números são ainda mais alarmantes.
O tema é sensível, tanto para a sociedade, quanto para o Congresso Nacional. Nos últimos anos foram feitas reformas no Código Penal a fim de endurecer a punição para os crimes sexuais. Todavia, os estupros, feminicídios e abuso infantil seguem ocorrendo e aumentando. A criação de novas leis seria a solução?
Claro está que o Congresso objetiva implementar ações legislativas a fim de modificar o quadro, porém, o tema em si não é novo na casa e o caminho adotado tem sido o mesmo: o endurecimento penal. No caso específico da castração química, a medida é aplicada em países como Estados Unidos e Argentina. No Brasil, já houveram outros projetos anteriormente e, tanto os antecessores quanto o atual, colidem com a mesma dificuldade: a constitucionalidade.
Ainda que o PL n° 3.127/19 tenha como pré-requisito a voluntariedade do condenado reincidente há impedimentos claros advindos da Carta Magna.
O primeiro deles é o tratamento desigual perante a lei. O artigo 5° é claro em um tratamento equânime e não se pode aplicar uma medida que tem efeito diferente para homens e mulheres, já que cientificamente a providência é praticamente inócua para as mulheres. Além disso, o ato fere o princípio constitucional da proporcionalidade.
Na Carta Magna, a presciência ainda encontra vedação no art. 5°, III e XLVII que prevê a não aplicação de tratamento desumano ou degradante e a proibição de penas cruéis, respectivamente. Por fim, há que se respeitar a dignidade da pessoa humana do condenado.
Acerca da voluntariedade existem questionamentos uma vez que a não continuidade do tratamento pode representar uma violação da condicional e o consequente retorno à prisão. Assim, seria a escolha livre e voluntária ou uma concordância apenas para não permanecer preso?
A castração química, ou seja, a aplicação de injeções hormonais para minorar a libido e inibir o apetite sexual dos condenados por crimes sexuais enseja outros questionamentos, afinal, o projeto de lei é silente acerca da aplicação após o período previsto para a duração da medida (o dobro da pena máxima prevista pelo crime praticado), pois, ao cessar o tratamento, a libido retornará e o que impedirá a reincidência? Se houver escassez do medicamento a ponto de interromper os efeitos da prescrição, será uma violação da condicional?
Ademais, qual o impacto econômico para os estados da mantenedura de remédios que têm um custo elevado para pessoas que já cumpriram sua pena, porém, farão uso preventivamente?
E do ponto de vista político: haverá um monitoramento desse preso mesmo após o cumprimento da pena? Para os pedófilos será que a medida é eficaz ou deve ser aplicada conjuntamente com tratamento psiquiátrico aliado a antidepressivos? Há um estudo sobre o sucesso da castração química em pedófilos? Mesmo que haja a castração química o que impede o abusador de introduzir objetos para consumar a penetração? E como lidar com desejos que transcendem o ato sexual em si?
O cerne do debate não deve ser a castração e seus efeitos, mas sim, como reduzir os crimes sexuais. Afinal, mesmo que se retire a libido a fim de diminuir os impulsos sexuais, o interesse continua. Para os estupradores o fato de ter sua libido minorada não elimina seu impulso intelectual e, tampouco, seus desejos. Assim, será que o agressor pode se tornar mais violento quando tentar realizar um estupro e não obter êxito em decorrência da castração e, por conseguinte, mutilar a vítima ou até a matar?
Especificamente em vulneráveis a penetração não é o principal elemento do abuso, pois, meninas e meninos são forçados a ver, tocar ou a serem tocados, assim, ainda que não haja ereção, o desejo e a prática podem continuar ocorrendo.
Na Câmara tramita o PL n° 5101/20 que prevê o aumento de pena para estupro de vulnerável dos atuais 8 a 15 anos previstos para o artigo 217-A para 12 a 20 anos, se o crime resultar em lesão corporal grave incrementa dos atuais 10 a 20 anos para 15 a 25 anos; e se o resultado da violência for morte, a pena de 12 a 30 anos passará a ser de 20 a 30 anos.
A solução não é o endurecimento penal. Os crimes sexuais têm sido sistematicamente mais apenados e as ocorrências não diminuíram. O caminho necessariamente perpassa pela modificação das políticas públicas vigentes sobre o tema.
O Governo Federal instituiu a Lei n° 14.540, de 3 de abril de 2023 na qual prevê um programa de prevenção e enfrentamento ao assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e à violência sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal. O artigo 4° prevê a prevenção e o enfrentamento da prática dos delitos, além da capacitação, orientação dos agentes públicos para o desenvolvimento e implementação de ações para a solução do problema.
Somente com políticas públicas teremos o devido enfrentamento da dura realidade que o endurecimento penal não tem coibido a violência sexual contra a sociedade brasileira, sejam mulheres, homens, LGBTQIA+, meninas ou meninos. O Estado Democrático de Direito brasileiro precisa intervir e criar mecanismos de conscientização social, campanhas socioeducativas, capacitação dos agentes e demais medidas e, acima de tudo: educar, educar e educar! Endurecer por endurecer nunca será a resposta eficaz.
Antonio Gonçalves é advogado criminalista