A integração das esferas penal e tributária na negociação de acordos em crimes de sonegação. Um desafio viável.
A introdução do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) na legislação brasileira ampliou significativamente as possibilidades de negociação no processo penal, permitindo, por exemplo, que acusações de sonegação fiscal possam ser resolvidas por meio de acordo.
Thúlio Guilherme Nogueira e João Pedro Drummond
A introdução do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) na legislação brasileira ampliou significativamente as possibilidades de negociação no processo penal, permitindo, por exemplo, que acusações de sonegação fiscal possam ser resolvidas por meio de acordo.
Nesses casos, tem-se permitido a celebração do ANPP sem a exigência de reparação integral do dano, já que o pagamento do débito resultaria na extinção da punibilidade do acusado, encerrando o processo.
No entanto, essa possibilidade tem se mostrado pouco atrativa. Afinal, embora resolva a questão penal, o contribuinte ainda enfrenta a cobrança do débito tributário pelo Estado via judicial.
O cenário típico é o seguinte: o empresário aceita o ANPP, paga uma multa estipulada pelo Ministério Público e cumpre outras condições, como a prestação de serviços à comunidade. No entanto, apesar desse esforço e do dispêndio financeiro, ele ainda pode ser alvo de uma execução fiscal, com a cobrança integral do tributo acrescido de juros e multa.
Assim, o ANPP, que deveria trazer celeridade e segurança, acaba gerando incerteza e frustração, pois não resolve o problema em sua completude.
Esse impasse pode ser superado se adotarmos uma abordagem integrada entre as esferas penal e tributária, que considere o litígio em sua totalidade.
O primeiro passo é abandonar a visão restrita de que as esferas penal e administrativo-tributária operam de forma independente e sem diálogo.
Com essa perspectiva, seria viável incluir o órgão fazendário na composição do próprio ANPP, dado que o Código Tributário Nacional também permite a negociação do débito com o contribuinte, por meio da chamada transação individual, baseada na premissa de “concessões mútuas” (Art. 171 do CTN).
Por que, então, não adotar uma única solução negocial que abranja tanto a esfera penal quanto a administrativa? Essa alternativa reduziria a “dupla punição”, aumentaria a segurança jurídica e, no fim das contas, tornaria a arrecadação do fisco mais eficiente e ajudaria a desafogar o Poder Judiciário.
Antes que críticas ofusquem a análise, é importante lembrar que soluções semelhantes já foram aplicadas na justiça criminal negocial. Há tempos, os efeitos dos acordos de colaboração premiada firmados na esfera criminal têm sido estendidos à esfera administrativa em casos de improbidade. O mesmo raciocínio se aplica aqui, porém com o fisco.
É essencial que essas soluções sejam desenvolvidas em conjunto por especialistas da área criminal e tributária, que devem manter um diálogo constante sobre os efeitos e a abrangência do acordo.
Além disso, também se exige a disposição e a flexibilidade do Ministério Público e dos órgãos fazendários, para trabalharem em conjunto e viabilizarem condições alinhadas à capacidade financeira do contribuinte, flexibilizando formas de pagamento e garantias, por exemplo.
Somente com essa integração é que o ANPP poderá cumprir plenamente seu papel nos crimes tributários, trazendo celeridade aos processos criminais, maior segurança jurídica, e contribuindo para uma arrecadação estatal mais eficaz e menos litigiosa.
Sócio fundadores da Drummond & Nogueira Advocacia (DNA Penal).