João Falcão Dias, membro da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados
Quase três anos após a promulgação da nova lei de licitações, muito ainda se discutem as regras de transição do antigo diploma, especialmente a partir de sua cessação definitiva.
De acordo com a Lei n. 14.133/2021, a Administração Pública poderia optar por qual regime legal seguir em suas contratações até 30/12/2023 (prazo já estendido a fim de possibilitar a adaptação à nova norma pelos diversos entes estatais). Doravante, apesar de a Lei n. 8.666/1993 ainda reger os contratos firmados segundo o seu regime, as futuras contratações deverão obedecer à nova lei.
Dúvida surge no caso do Sistema de Registro de Preços, previsto em ambos os diplomas: se a natureza do instituto pressupõe firmar uma ata contendo as condições para assinatura de ulteriores contratos, poderia a Administração seguir, hoje, entabulando ajustes no regramento da lei revogada?
A questão nos parece a princípio simples. Uma vez decorrente de licitação promovida no regime anterior antes da revogação, a ata é plenamente válida durante toda sua vigência, produzindo efeitos para celebração de novos contratos mesmo sob o novo marco legal. Vale lembrar que, durante toda sua vigência, tais contratos deverão se manter fiéis às regras da lei que os regeu, isto é, a Lei n. 8.666/1993.
Mais complexo é o caso da adesão de órgãos não participantes do processo licitatório à ata lavrada no regime antigo – a chamada “carona”, também admitida nas duas leis. Considerando-se que a ultratividade da lei anterior atenderia aos órgãos que optaram por esse regime enquanto possível, o que dizer dos órgãos que pretendem aderir à ata hoje, quando não há mais opção senão pela Lei n. 14.133/2021?
Em nosso entendimento, a menos que haja vedação no regulamento pertinente, a carona está autorizada por duas razões principais. A uma, depreende-se da norma de transição que os instrumentos oriundos da lei antiga permanecem plenamente válidos e eficazes enquanto vigerem. E a plena validade e eficácia da ata de registro de preços incute a hipótese de ser utilizada não apenas pelo órgão gerenciador ou participante da licitação, como também por aqueles que pretendam motivadamente vir a aderir depois.
A duas, foi neste sentido a regulamentação da nova lei pela Presidência da República no âmbito federal, ao dispor que “as atas de registro de preços […], durante suas vigências, poderão ser utilizadas por qualquer órgão ou entidade da Administração Pública federal, municipal, distrital ou estadual que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador”.
Essa regulamentação se conforma à lei. A revogação do antigo diploma, embora obste seu uso em novas contratações, não afeta as atas em vigor em toda extensão de seus efeitos, notadamente o aproveitamento por órgãos não participantes do certame, ainda que a opção desse órgão se expresse já no novo ambiente normativo. Válida a ata, e respaldando-se na efetiva economicidade, a adesão é admitida, sendo que o vindouro contrato se regerá pela antiga lei da qual se originou.
Qualquer que seja a opção da Administração, a prévia demonstração de sua vantagem é legalmente mandatória.
Daí mesmo o aval à carona: em se revelando eventualmente uma alternativa mais vantajosa ao Poder Público, sua adoção prestigiará os princípios da eficiência, da economicidade e da razoabilidade – do contrário, o emprego de um viés exageradamente literal, formalista e restritivo do direito findaria por frustrar o maior benefício ao erário.