Por Caio Augusto Silva dos Santos
Neste 10 de outubro, celebramos o Dia Nacional da Luta Contra a Violência à Mulher. Uma data muito singular e importante no tocante à proteção e ao dever diário que todos devemos ter no que se refere a qualquer tipo de violação às mulheres, como agressões, assédios (morais, éticos, psicológicos e sexuais) e, ainda mais, contra o feminicídio.
É inadmissível, espantoso e triste observar os números alarmantes desse tipo de violência em nosso país. Precisamos, enquanto sociedade, pensar seriamente como iremos mudar este cenário de forma urgente. Para se ter ideia é bem provável que ao término desta leitura, uma mulher tenha sido agredida. Isso é o que nos mostra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) que apontou que, em 2022, 1,3 milhão de mulheres sofreram casos de violência, que incluem agressões físicas, psicológicas e feminicídios. Ou seja, mais de três mil casos diários, 148 casos por hora. Um disparate para a nossa sociedade. Há, entretanto, um grande dilema desta realidade, uma vez que a situação pode ser ainda mais grave: supõe-se haver um grande índice de subnotificação, por conta do medo de represálias ainda piores que rondam essas vidas.
Um outro estudo da FBSP, do ano passado, apresenta também outra triste realidade. Mesmo com leis mais duras, os agressores continuam a praticar esses crimes. Desde 2015, quando passou a vigorar a Lei do Feminicídio, até 2023, foram registrados 10.655 assassinatos contra a população feminina de modo violento. Pior, no ano passado houve um recorde de casos (1.463). Isso quer dizer que uma mulher é morta no Brasil para cada grupo de 100 mil habitantes. Uma derrota vil para a segurança pública. E isso normalmente começa com um empurrão, com um tapa, com uma agressão, o que nos impõe a repulsa do corpo social a qualquer sinal de violência que é o prenúncio de tragédias maiores.
O combate a tais violências passa pela responsabilidade coletiva de todos os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Passa também pelo cumprimento severo para o agressor das leis já existentes. Passa, sobretudo, por consciência e coerência coletiva. Frisa-se esta coerência, já que não basta apenas ser contra a violência, é preciso também ser contra àquelas pessoas que a praticam e as que de certo modo defendem ou minimizam o ato do agressor. O exemplo tem de partir de todos. Essa é uma responsabilidade individual de cada um de nós. Podemos e devemos também cobrar de entidades como a OAB e Ministério Público maiores fiscalizações e acompanhamentos de casos similares para que haja uma pressão maior do âmbito social. A OAB-SP, por exemplo, atua em várias frentes que visam garantir tanto a proteção da advocacia feminina de todo Estado, quanto medidas punitivas contra os agressores. Entre as iniciativas, estão a criação do canal de denúncias e a Ouvidoria das Mulheres Advogadas, além de ações e campanhas promovidas pela Secional, como a “Advocacia sem Assédio”.
Inclusive, quando fui presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP), criei uma série de mecanismos de defesa às advogadas e estagiárias, vítimas de violência doméstica. Entendemos que um dos fatores que mais favorecem o agressor é o controle financeiro que ele tem sobre a parceira, de modo que ela, por medo e também por dificuldades financeiras, prefere não se separar do agressor. Tendo isso em mente, desenvolvemos uma pensão para aquelas que passavam por situações de risco, de forma que elas pudessem se desprender do seu agressor estando amparadas economicamente. Este foi um instrumento que criamos para ajudá-las a superar este momento difícil no âmbito particular de suas histórias.
Vale reforçar que estudos mostram que a maioria dos casos de violência doméstica contra a mulher ocorre dentro de casa. Estima-se que aproximadamente 70% delas, quando são vítimas de assassinato, conheciam seu algoz, e, insista-se, quase sempre presente um histórico de agressões, uma prática constante de covardias, até culminar na covardia suprema que é o feminicídio.
Isso precisa, imediatamente, ser sanado. Não é admissível convivermos com estes números alarmantes e tenebrosos que mostram uma sociedade descompassada quanto aos critérios de respeito e justiça vigentes. E, reforço, penas mais duras, sim, são necessárias; consciência coletiva e social, neste combate, é essencial; o discurso daqueles que dizem se comprometer com a causa tem de estar mais em evidência.
Imagine só, de que adianta uma empresa ou uma entidade de classe se posicionar a favor da causa feminista e ter em seus quadros diretivos alguém que se presta à violência doméstica? Isso não faz o menor sentido para mim e, acredito, não deve fazer a ninguém.
Apenas juntos, somando forças, combatendo de verdade toda e qualquer violência às mulheres é que conseguiremos reduzir estes números e, quem sabe, um dia, teremos uma sociedade em que todos os cidadãos – principalmente as mulheres – possam transitar, viver e trabalhar como merecem: com respeito e dignidade intactos.
*Caio Augusto Silva dos Santos é advogado há mais de 24 anos, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB-SP) e mestre em Direito Constitucional.