O início do segundo semestre de 2024 trouxe à tona novamente casos de trabalhadores em situações análogas a escravidão no interior de São Paulo e em outros estados do país. Segundo o Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, o Brasil contabilizou, entre 1995 a 2023, mais de 63 mil pessoas encontradas nessa situação. Somente em 2023, foram registradas mais de 3.400 denúncias, 64,6% a mais que em 2022, sendo o maior número desde que o Disque Denúncia foi criado, em 2011.
Recentemente, uma mulher de 59 anos foi resgatada no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em uma situação de trabalho análogo à escravidão. Natural de Pernambuco, ela foi trazida para a capital fluminense por seus empregadores há oito anos, sem receber salário e sem direito a folgas durante todo esse período. O Ministério Público do Trabalho (MPT) firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os empregadores, assegurando o reconhecimento do vínculo de emprego, o pagamento dos salários e das verbas trabalhistas devidos, além de uma indenização por danos morais.
Além desse caso, uma operação de fiscalização, realizada no último dia 15, coordenada pelo Ministério do Trabalho (MTE), resultou no resgate de 82 trabalhadores em condições degradantes em uma fazenda na zona rural de Itapeva, interior de São Paulo.
“O resgate de trabalhadores não envolve só a retirada do local de exploração, mas também o trabalho conjunto para o respeito a seus direitos básicos, tais como o pagamento das verbas rescisórias, a emissão de guia de seguro-desemprego, possibilidade de retorno ao local de origem, com o auxílio de centros de assistência social”, explica Izabela Borges Silva, advogada do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.
O que caracteriza as situações de trabalho como análogas a escravidão
Alguns elementos caracterizam a chamada “escravidão contemporânea”, entre eles:
Trabalho forçado: ato que envolve a limitação do direito de ir e vir;
Servidão por dívida: como ocorre quando há um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas;
Condições degradantes de trabalho: quando se nega o respeito à dignidade humana, colocando em risco a saúde e vida do trabalhador;
Jornada exaustiva: quando o trabalhador é levado ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida.
Demonstrado qualquer um destes fatores no ambiente de trabalho, o responsável poderá ser condenado na esfera criminal, de acordo com art. 149 do Código Penal, que considera crime a redução à condição análoga à de escravidão.
Na esfera trabalhista, as mais importantes punições resultam das Ações Civis Públicas, ajuizadas normalmente pelo Ministério Público do Trabalho, que pleiteiam indenização por danos morais coletivos.
Denúncias são fundamentais para resgates
Nos últimos dez anos, mais de 15 mil pessoas foram resgatadas do trabalho análogo à escravidão no Brasil, também segundo o Ministério Público do Trabalho. As denúncias podem ser feitas pelo portal do Ministério Público do Trabalho e há também um site específico para a ação:https://bit.ly/3Yn1ndr, não sendo necessária a identificação do denunciante.
Desde 1995, as fiscalizações e resgates de trabalhadores são realizados pelo GEFM, coordenado por auditores-fiscais do Trabalho, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições.
“É importante que sejam implementadas políticas públicas direcionadas ao combate ao trabalho em condição análoga à de escravo, para que o país possa se orgulhar de combater um ciclo de exploração racial, o qual fora mantido por muitos anos de forma disfarçada pelos interesses econômicos, desinteressados na abolição efetiva da exploração humana”, finaliza a especialista.
Sobre a Dra. Izabela Borges Silva
Advogada do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados e inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil/SP sob o n.º 337.111