Tragédia no RS: furto e roubo devem ser considerados crimes hediondos?
Desde o final de abril, temos acompanhado a tragédia que assola o Rio Grande do Sul. As centenas de vídeos que circulam nas redes trazem notícia das consequências que as fortes chuvas imputaram à região. A comoção popular, absolutamente justificável, transformou-se rapidamente em pressão sobre os órgãos públicos; vieram à lume o descuido na adoção de medidas para mitigar os impactos decorrentes de desastres ambientais anunciados e a incapacidade do Governo de atuar coordenada e eficientemente para socorrer animais e pessoas em situação de risco.
- Maira Scavuzzi e Ricardo Yamin Fernandes
Desde o final de abril, temos acompanhado a tragédia que assola o Rio Grande do Sul. As centenas de vídeos que circulam nas redes trazem notícia das consequências que as fortes chuvas imputaram à região. A comoção popular, absolutamente justificável, transformou-se rapidamente em pressão sobre os órgãos públicos; vieram à lume o descuido na adoção de medidas para mitigar os impactos decorrentes de desastres ambientais anunciados e a incapacidade do Governo de atuar coordenada e eficientemente para socorrer animais e pessoas em situação de risco.
O Estado reagiu ao desastre de formas variadas, dentre essas, a proposição de dezenas de projetos legislativos de autoria e temáticas variadas. Recentemente, destacaram-se as iniciativas de natureza penal, em especial o PL 1676/2024 – apensado ao PL 651/2023 – e o PL 1801/2024.
O PL 1676/2024 qualifica e torna hediondos os delitos de furto e de roubo cometidos em contexto de desastres naturais, calamidades públicas ou situações de emergência quando reconhecidas pelas autoridades competentes. Ou seja, o projeto, para além de aumentar a pena base do crime de furto – de 1 a 4 anos para 4 a 10 anos – e do crime de roubo – de 4 a 10 anos para 8 a 20 anos –, submete-os ao regime dos delitos hediondos. Significa dizer que não estarão sujeitos a anistia, graça ou indulto; não admitirão fiança; e aqueles condenados por cometê-los deverão iniciar o cumprimento da pena em regime fechado e satisfazer requisito temporal maior para progredir para o semiaberto e o aberto.
A seu turno, o PL 1801/2024, embora não inove em qualificadoras, acrescenta ao rol do art. 1º da Lei 8.702/1990 o furto simples, o furto qualificado e o roubo cometidos enquanto pendente situação de emergência ou estado de calamidade pública.
Os projetos de lei em exame têm escopo bastante evidente: endurecer a resposta penal aos delitos patrimoniais praticados nas circunstâncias acima referenciadas. As propostas encontraram oportunidade na indignação causada pelos recentes furtos e roubos praticados durante a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul.
Nem sempre, porém, reformar a lei penal no fervor dos acontecimentos é a solução adequada para as contingências que se apresentam. A sombra do populismo penal macula iniciativas que capitalizam politicamente sobre a dor e a revolta popular e propõem apenas a retribuição para a ofensa, sem se ocupar de um estudo sério sobre (i) o perfil e circunstâncias dos agentes que têm realizado os furtos e roubos; (ii) quais meios serão disponibilizados durante o período de anormalidade para que exista uma fiscalização eficaz que venha a repreender do modo imaginado pelo legislador as condutas criminosas visadas; e (iii) se o rigor penal, de fato, servirá para prevenir delitos de mesma natureza em situações semelhantes.
Sem responder a essas indagações prévias, não saberemos se estamos a combater eficientemente conduta odiosa ou a criminalizar o desespero. No mais, é preciso que se diga: os problemas que o Estado não aborda via políticas públicas de prevenção ou assistência dificilmente serão resolvidos por meio de punições severas. A austeridade penal não é e nem pode ser a resposta imediata para as crises sociais que venhamos, enquanto sociedade, a enfrentar.
- Maira Scavuzzi e Ricardo Yamin Fernandes, membros do NYF Advogados