O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que um prêmio de loteria, ganho por uma viúva durante a vigência de seu casamento, sob o regime de separação obrigatória de bens, deve ser partilhado entre ela e os herdeiros do falecido. A decisão gera discussões sobre os critérios que determinam a inclusão de determinados bens no inventário e as implicações do regime de bens adotado pelos cônjuges.
De acordo com o STJ, o prêmio de loteria de R$ 28,7 milhões, ganho pela viúva durante o casamento sob o regime de separação obrigatória de bens, deve ser incluído no inventário. Mesmo nesse regime, o tribunal entendeu que o prêmio é um bem comum, adquirido por fato eventual, sem necessidade de comprovar esforço comum. Assim, os bens derivados do prêmio serão partilhados entre a viúva e os herdeiros do falecido.
A advogada Aline Avelar, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, sócia do escritório Lara Martins Advogados e presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFAM-GO, explica que a decisão foi baseada no momento da aquisição do prêmio, que ocorreu durante a constância do casamento. “Mesmo em casamentos sob o regime de separação obrigatória de bens, bens adquiridos durante o casamento, como o prêmio adquirido, podem ser considerados parte do patrimônio comum do casal. A data da aquisição é determinante, pois o que importa é quando o direito ao prêmio foi consolidado, e não o momento em que ele foi efetivamente recebido. No caso, o bilhete premiado foi comprado enquanto os cônjuges ainda eram casados, o que garante que o valor recebido seja incluído no inventário”.
Segundo a especialista, o entendimento do STJ parte do princípio de que, apesar do regime de separação obrigatória de bens, o prêmio de loteria ocorreu durante a união matrimonial, o que permite sua inclusão no patrimônio partilhável. “A legislação e a jurisprudência compreendem que, ainda que o regime de bens limite a comunicação de determinados patrimônios, há situações em que, pela própria natureza da aquisição, o bem deve ser considerado como parte da comunhão”.
A advogada enfatiza que “a Súmula 377 do STF, prevê que no regime de separação legal de bens, comunicam-se os bens adquirido na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para a sua aquisição. No caso em questão, o STJ e o STF consideraram o entendimento em que se reconhece a comunicabilidade de bens adquiridos por eventos fortuitos, como por exemplo em prêmios de loteria, independentemente da comprovação de esforço comum entre os cônjuges.”
Avelar destaca que, em outros regimes de bens, como a comunhão parcial, a partilha de prêmios como esse seria mais direta. “Na comunhão parcial de bens, todos os bens adquiridos a título oneroso durante o casamento, independentemente de qual dos cônjuges os tenha adquirido, são considerados bens comuns do casal, salvo exceções. Nesse contexto, prêmios de loteria, mesmo ganhos individualmente, seriam naturalmente partilhados. A decisão do STJ estende esse raciocínio para o regime de separação obrigatória de bens, considerando o esforço comum na vida em conjunto e as aquisições realizadas durante o casamento”, observa a advogada.
Outro ponto relevante é o direito dos herdeiros ao prêmio, especialmente quando o valor é recebido após o falecimento de um dos cônjuges. A especialista explica que, ainda que o cônjuge sobrevivente tenha recebido o valor do prêmio após a morte do companheiro, o fato de o bilhete ter sido adquirido enquanto ambos ainda eram casados garante que ele seja incluído na partilha de bens. “A jurisprudência entende que o direito ao prêmio de loteria surge no momento da aquisição do bilhete e do sorteio”, afirma.
Há situações específicas em que prêmios ou bens semelhantes podem ser excluídos do inventário. Avelar explica que a exclusão pode ocorrer, por exemplo, em regimes de separação total de bens ou quando o direito ao prêmio foi consolidado após o término do casamento, seja por divórcio ou falecimento. “No regime de separação total de bens, o prêmio seria de propriedade exclusiva do cônjuge que o ganhou, não sendo partilhado com o outro cônjuge ou seus herdeiros. Da mesma forma, se o bilhete de loteria foi comprado após o falecimento, o prêmio não integraria o inventário do cônjuge falecido”, conclui.
Fonte: Aline Avelar: advogada do escritório Lara Martins Advogados, responsável pelo núcleo de Direito de Família e Sucessões. Especialista em Direito das Famílias e Sucessões, Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório. Presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFAM-GO.