O projeto de lei que regulamenta a Reforma Tributária ganhou destaque novamente no início desse segundo semestre de 2024, com o Senado dedicando atenção à proposta, considerada uma das prioridades diante do objetivo do governo federal de concluir a aprovação até o final do ano. A discussão agora está centrada no projeto que aborda o imposto sobre o consumo, com impactos esperados em diversos setores e na vida dos cidadãos – grupo em que muitos ainda desconhecem o assunto. Além disso, o projeto levanta debates acerca do Sistema Tributário Constitucional, criado em 1965 e aprimorado em 1988, que é amplamente reconhecido e respeitado tanto a nível nacional quanto internacional.
Segundo uma pesquisa aplicada pelo Instituto Ideia, embora a Reforma Tributária seja um tema frequente na imprensa e nas discussões políticas e econômicas, 36% dos entrevistados revelaram desconhecimento sobre o assunto, mas manifestaram interesse em aprender mais a respeito.
Para o advogado e professor Emérito de Direito Eduardo Jardim, compreender o tema é crucial para uma análise crítica, especialmente para identificar detalhes como propostas já contempladas na Constituição dentro do projeto de reforma tributária. “Alguns itens são apresentados como novidades, mas na verdade não são. Há um equívoco em algumas informações transmitidas pelo Poder Público para a sociedade, sendo um dos pontos mais problemáticos a ideia de simplificação, que, ao contrário, pode complicar bastante as questões envolvidas.”
O texto que abrange a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à isenção de impostos para produtos da cesta básica, já aprovado pela Câmara dos Deputados, também continua sendo alvo de debates sobre a intenção de simplificação. “Em uma comparação, o Código Tributário Nacional possui 45 páginas, sendo respeitado por diferentes países, inclusive europeus. Já a proposta da Reforma Tributária tem 504 páginas. Como podemos falar em simplificação?”, questiona.
Tributos e arrecadação
Segundo dados de um levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 76% dos brasileiros acreditam que o atual nível de gastos do governo deveria resultar em uma melhor qualidade dos serviços públicos, como saúde, educação, estradas e rodovias. Além disso, para 77% dos entrevistados, a carga tributária já é considerada alta e não há necessidade de ser aumentada.
Eduardo argumenta que, em relação à Reforma Tributária, o Brasil arrecada até mais do que muitos países, porém não há uma correspondente melhoria nos serviços públicos, o que torna a carga tributária ainda mais cara. “A carga tributária no Brasil é superior a dos Estados Unidos, Suíça e Japão”, ressalta.
O advogado também enfatiza a inclusão do IPVA para embarcações marítimas e aeronaves na Reforma Tributária. Ele esclarece que essa cobrança já estava prevista anteriormente, sendo originalmente estabelecida pela Emenda Constitucional nº 17, de novembro de 1985, e implementada em São Paulo por meio da Lei 6.606/89. A mesma abordagem foi adotada por outras unidades da Federação, com a previsão de cobrança para veículos automotores em todas as suas modalidades, incluindo embarcações marítimas, aeronaves e veículos de circulação terrestre. No entanto, por determinação do Supremo Tribunal Federal, a cobrança foi restringida aos veículos terrestres.
Além disso, Eduardo chama a atenção para o “Imposto do Pecado” ou Imposto Seletivo, que será aplicado a produtos ou atividades prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. “Isso levanta uma questão ética, já que o objetivo é desencorajar o consumo desses produtos por meio de uma taxa adicional”. Da mesma forma, a cobrança de tributos em cascata, que afeta todas as etapas de fabricação de um produto, não é algo novo. “A cobrança desses tributos já está prevista no Plano Constitucional desde a Emenda 18/65. O problema é que nem sempre é cumprida”, completa o advogado.
Eduardo também cita a importância de revisar como é abordado o campo da arrecadação de alguns impostos e a distribuição entre diferentes níveis de governo no Brasil, especificamente o Imposto de Renda, dividido entre a União, os Estados e municípios por meio de fundos de participação. “É necessário questionar a distorção na partilha dessa arrecadação”.
Da mesma forma, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que autoriza o governo federal a utilizar até 30% da arrecadação tributária para despesas gerais, também é alvo de questionamentos. “Ela destina 30% da arrecadação tributária para o Poder Executivo, o que vai contra o que estabelece a Constituição. Os impostos não devem ter suas receitas previamente comprometidas”, afirma.
Diante disso, o advogado sugere o respeito ao Sistema Tributário Constitucional e enfatiza a importância de ampliar o debate público sobre o tema, considerando a tendência de aumento da carga tributária para financiar o gasto público.
Sobre Eduardo Jardim
Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Professor Emérito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na qual exerceu a cátedra de condição de Titular nos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. Professor no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira n. 62. Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (IBEDAFT). Autor de Obras jurídicas pelas Editoras Mackenzie, Noeses e Saraiva, dentre outras, muitas das quais se encontram em Bibliotecas de Universidades Europeias, a exemplo de Navarra, Valência e Salamanca, na Espanha, bem como na Universidade de Bonn na Alemanha, senão também na Faculdade de Direito de Nápoles, na Itália, e ainda nas Faculdades de Direito de Lisboa e do Porto, ambas em Portugal. Sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados. É sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados.