Por Victor Hugo Siqueira Lottermann
Os consumidores enfrentam uma questão crítica envolvendo a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em suas contas de energia elétrica. O impasse decorre da tentativa de cobrança desse tributo sobre energia elétrica que foi objeto de furto, antes da entrega ao consumidor final. Aqui tentarei elucidar a ilegalidade dessa cobrança, baseando-se na caracterização do fato gerador e na definição das perdas técnicas e não técnicas na distribuição de energia elétrica.
Primeiramente, é essencial compreender que a incidência do ICMS sobre a energia elétrica está atrelada ao fato gerador da operação, que é a venda de energia ao consumidor final. O fato gerador do ICMS, conforme o artigo 155 da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 87/1996, ocorre quando há uma operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços. No caso específico da energia elétrica, a operação relevante é a venda da energia para o consumidor, não a sua simples circulação.
No processo de distribuição de energia elétrica, as distribuidoras adquirem a energia de geradoras e, em seguida, a vendem aos consumidores finais. Durante essa cadeia de fornecimento, ocorrem perdas técnicas e não técnicas. As perdas técnicas são aquelas inevitáveis, resultantes do transporte e transformação da energia elétrica (por exemplo, perdas no efeito joule e nos transformadores). Já as perdas não técnicas englobam perdas associadas a fraudes, erros de medição, e outros problemas administrativos.
É neste contexto que se insere o problema da cobrança de ICMS sobre energia furtada. O furto de energia, classificado como perda não técnica, resulta da intervenção não autorizada no sistema elétrico, desviando energia para pontos não identificados pela distribuidora. Esta energia furtada não é medida e, portanto, não pode ser contabilizada como consumo real. Consequentemente, a distribuidora não possui base para calcular o ICMS sobre essa energia, visto que o valor do tributo deve ser calculado sobre o consumo efetivo.
A tentativa de cobrança de ICMS sobre energia furtada baseia-se na argumentação de que o furto interrompe o diferimento da operação de compra e venda entre geradoras e distribuidoras. Em outras palavras, o Fisco alegaria que, ao ocorrer o furto, o ICMS deveria incidir diretamente sobre o valor da operação de aquisição da energia pelas distribuidoras. No entanto, essa interpretação desconsidera a natureza do fato gerador do ICMS, que exige que haja uma operação de venda efetiva e registrada para a incidência do tributo.
Além disso, o entendimento de que a simples saída de energia furtada ensejaria a cobrança de ICMS desrespeita o princípio da capacidade contributiva e a necessidade de uma base de cálculo que reflete o consumo real e efetivo. A energia que não chega ao consumidor final por motivo de furto não deve ser utilizada como base para o cálculo do ICMS, pois não houve o fato gerador da venda e, portanto, não há valor líquido e certo a ser tributado.
Portanto, a cobrança de ICMS sobre energia elétrica furtada é ilegal, uma vez que o fato gerador do imposto não se concretiza na ausência de consumo real. A aplicação da legislação tributária deve considerar a realidade dos fatos e a correta definição das perdas técnicas e não técnicas, assegurando que o imposto seja cobrado de forma justa e conforme os princípios que regem o sistema tributário. A adequação da legislação e a interpretação correta são fundamentais para garantir a equidade e a legalidade na tributação de serviços essenciais como a energia elétrica.
VICTOR HUGO SIQUEIRA LOTTERMANN
ADVOGADO DA AMARAL E PUGA, POS GRADUADO EM PROCESSO CIVIL E SEGURANÇA PUBLICA