Por Sofia Martins Martorelli
A tragédia ambiental vivida pela população do Rio Grande do Sul uniu no mesmo barco pessoas geralmente separadas por abismos sociais: gaúchos de diferentes etnias, idades, ocupações e classes econômicas sofreram prejuízos e muitos também choraram perdas humanas. Enquanto o nível das águas não baixar e a vida voltar à sua normalidade, empregados e empregadores ainda continuarão vivenciando dores muito parecidas, mas, ao mesmo tempo, sabendo que poderão ter pela frente conflitos a vencer.
Há muitas questões trabalhistas em jogo: se o empregado deixou de ir trabalhar por razões óbvias, ele deve ser remunerado mesmo diante das faltas? Se permanecerem sem comparecer ao serviço, poderão ser demitidos por abandono de emprego? Quanto ao empregador, cujo negócio foi prejudicado pela enchente, ainda lhe é imputada a responsabilidade de remunerar os trabalhadores? Como exigir esse compromisso num momento em que ele também perdeu tudo?
É possível que essas dúvidas norteiem muitas ações trabalhistas nos próximos meses, e neste caso agrava-se o fato de que a legislação brasileira não tem uma resposta determinada para todas elas. Ao se tratar da ausência de trabalho, por exemplo, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) prevê somente alguns casos em que a remuneração não é afetada. Dentre elas estão a morte de determinados familiares, doenças e acidentes de trabalho, dentre outras circunstâncias.
No caso de eventos climáticos, efetivamente a lei não diz com clareza que se trata de uma falta justificada. Especificamente no caso do Rio Grande do Sul, há algo de inusitado nessa situação, pois talvez em boa parte dos casos não apenas o trabalhador não pode comparecer como a empresa também não pode funcionar devido ao mesmo problema. E isso torna a necessidade de acordo ainda mais evidente.
O ideal é que essa situação não seja levada a ferro e fogo por nenhuma das partes. A empresa pode realizar o pagamento do salário e optar por inserir as horas de ausência num banco de horas, acordando com o empregado que ele as pague de forma gradativa. Entretanto, o empregado pode antes se municiar de informações a respeito da convenção coletiva da categoria, e verificar se existe alguma previsão para os desastres naturais. Não havendo, a tendência passa a ser mesmo de buscar um acordo.
Importante ressaltar o documento emitido pelo Ministério Público do Trabalho, o qual recomenda aos empregadores, por exemplo, a implementar o teletrabalho para aquele trabalhador que possui condições para tanto, bem como a empresa pode optar por conceder férias coletivas ou antecipar férias individuais, dentre outros.
O ideal é que as empresas sejam flexíveis em uma situação como esta, que inclusive pode vir a se repetir, não só no estado do Rio Grande do Sul, mas em qualquer outro estado. Situações que devem ser compreensíveis, tanto a do trabalhador, como também a da empresa, visto que tal situação é de calamidade e inesperada.
A situação é extremamente sensível uma vez que pessoas estão sem sua moradia, sem alimento, sem vestimenta, quiçá internet ou energia elétrica, e assim deve haver o bom senso do empregador de ser impossível naquele momento o trabalhador realizar suas atividades. Ainda, dentre essas pessoas também se encontram os empresários, os quais também estão passando por tal situação inoportuna.
Desta forma, o bom senso precisa falar mais alto, de tal maneira que ninguém saia ainda mais prejudicado nesta tragédia. Criar uma via de mão dupla, estabelecendo resoluções que podem amenizar os problemas de cada lado, é o que se pode haver de mais viável. Para tornar isso ainda mais possível, a recomendação é para que se documentem tudo com declarações, fotografias e vídeos que mostrem que a cheia de fato inviabilizou qualquer hipótese de comparecer ao trabalho.
A autora é Sofia Martins Martorelli, advogada do escritório Montalvão & Souza Lima Advocacia de Negócios