Por Arthur Felipe das Chagas Martins
Todo aquele que passou algum tempo de sua vida em alguma cidade do Grande ABC Paulista – tal como eu, nascido em São Bernardo do Campo – já teve, em algum momento, contato com algum sindicato da região.
O ABC Paulista é o berço do sindicalismo. Entre as décadas de 60 e 80, inúmeras foram as instituições que ali surgiram visando combater o regime militar. Há até mesmo registros[1] que indicam que o próprio golpe militar de 1964 “foi apresentado pelos próprios golpistas como uma medida preventiva contra a implantação de uma suposta ‘República Sindicalista’”: nesse período, direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho foram suprimidos, dirigentes sindicais foram presos e sindicatos foram considerados radicais, assim como milícias, terroristas, agitadores sociais e financiadores da esquerda.
Contudo, quase meio século depois, o cenário de negociações é outro. Os sindicatos, ao invés de combaterem o militarismo, agora abusam da habilidade de negociar com empresas e empresários, ora representados por seus dirigentes, ora pelos sindicatos de suas categorias econômicas.
Não há como negar a importância de tais instituições no cenário nacional. Entretanto, seja pelas mudanças nos modelos de trabalho (e aqui, leia-se especificamente “trabalho”, e não “emprego”), seja pela crescente terceirização ou simplesmente pela polarização no campo político de nosso país – e os sindicatos mais representativos nunca sequer pretenderam negar que tinham laços com algum partido político –, o fato é que temos presenciado alguma redução no movimento sindicalista nacional.
Forte baque foi sofrido pelos sindicatos quando, no advento da Lei 13.467/2017 (a dita Reforma Trabalhista), foram introduzidos inúmeros artigos estatuindo não somente a extinção do Imposto Sindical, mas igualmente a desobrigação de qualquer pagamento aos entes sindicais, fosse a título de contribuição assistencial, taxa negocial, contribuição confederativa ou qualquer nome equivalente.
Qualquer que tenha sido o espírito do legislador naquele momento, o fato é que os sindicatos viram suas principais fontes de custeio ruírem da noite para o dia. Tal movimento levou diversas instituições sindicais à Justiça: pelo menos 19 Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal, todas questionando a legalidade dessas ações.
Muitos anos e algumas reviravoltas depois, o próprio STF muda de ideia, firmando a seguinte tese no julgamento do Tema 935 de setembro do ano passado:
É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição.
Na prática, volta-se à estaca zero. Os sindicatos voltam a poder instituir contribuições em seu favor, com a ressalva do dito direito de oposição. Esse direito, que deve ser obrigatoriamente previsto no mesmo instrumento coletivo onde a contribuição foi instituída, consiste em regras para que o empregado possa formalizar, perante o ente sindical, sua vontade de não contribuir com qualquer valor em favor do sindicato.
Em teoria, essa oposição poderia ser exercida em um prazo razoável após a data-base da categoria: 15 dias, por exemplo, por meio da entrega de carta assinada pelo próprio empregado na sede do sindicato. Frisa-se que a oposição deve ser feita ao sindicato e não ao empregador. A este último cabe unicamente efetuar o desconto de valores e repassá-los aos sindicatos.
Só que, como já deve ter ficado claro aqui, este direito de oposição não tem uma forma pré-definida. Cada convenção coletiva o institui da forma que quiser (em suposta negociação entre sindicatos das categorias econômica e profissional) e, não raramente, essa instituição é feita criando mais obstáculos do que meios, como prazos curtos, formas apertadas ou outras estratégias que dificultam o exercício desse direito.
Só que, se estamos falando de uma contribuição à qual sequer havia a necessidade de se opor até setembro do ano passado, surge uma discussão muito pontual. Se falamos de uma categoria profissional que tem sua data-base em agosto, por exemplo, muito provavelmente o prazo para uma oposição escoar-se-ia até o final de agosto. Em sendo o julgamento do STF de setembro, como poderia o empregado, então, exercer sua oposição, se o prazo previsto no instrumento coletivo já estaria superado?
Não se engane o leitor: os sindicatos estão se recusando a receber cartas de oposição, argumentando que as mesmas deveriam ter sido apresentadas no prazo previsto no instrumento coletivo. Na prática, estão forçando os empregados a arcarem com a contribuição assistencial até que surja a nova janela de oportunidade para uma oposição.
Poderia se dizer aqui que os sindicatos estariam agindo dentro da lei, visto que, de fato, as Convenções Coletivas trazem prazos específicos para o exercício do direito de oposição. Entretanto, o caso em estudo é outro: o empregado não era obrigado a exercer este direito e só passou a ser em decorrência de um julgamento superveniente.
O indivíduo que deixou de exercer seu direito de oposição no prazo previsto no instrumento coletivo, neste caso, não o fez intencionalmente, mas porque tal exercício não era exigido pela lei. Aliás, para quem lê somente o texto da CLT, ainda não seria. Só que os sindicatos, fechando os olhos a tal questão, agora cerceiam tal exercício, apegando-se a uma obrigação que somente agora é exigível.
É por essas e outras questões que o Tribunal Superior do Trabalho, após pedido do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, instaurou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº IRDR – 1000154-39.2024.5.00.0000, onde se discutirá sobre o modo, o momento e o lugar apropriado para o empregado não sindicalizado exercer seu direito de oposição ao pagamento da contribuição assistencial.
Trata-se de discussão atualíssima e que é do interesse de todos: tanto daqueles que são o alvo dessa contribuição, quanto dos que são os beneficiários deste pagamento.
Espera-se, efetivamente, que a decisão dela decorrente traga limites mínimos para o exercício de tal faculdade, bem como estabeleça a necessária segurança jurídica para todos aqueles envolvidos na atividade sindical. Sindicatos são mais do que meros arrecadadores de contribuições: têm valor histórico notável e função social importantíssima nas relações de trabalho no país, mas discussões em torno de como um indivíduo pode ou não deixar de pagar contribuições ao sindicato realmente tiram o foco daquilo que é realmente importante, a defesa dos direitos difusos e coletivos.
[1] Boito, A. Jr. (2005). A presença do sindicalismo na história política do Brasil. In A. Jr. Boito (Org.). O sindicalismo na política brasileira (pp. 265-291). Campinas, SP: UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.