STF cassa vínculo de emprego em contrato de franquia após TST não aceitar recurso
Decisão do ministro Alexandre de Moraes cassou acórdão do TRT de São Paulo cujo recurso não foi conhecido pelo Tribunal Superior do Trabalho. Pela 13ª vez, Supremo consignou a inexistência de vínculo trabalhista entre donos de franquia e a seguradora Prudential.
A Reclamação 66.783/SP foi a mais recente de uma série de Reclamações Constitucionais levadas ao Supremo (STF) pela Prudential a fim de garantir a aplicação da jurisprudência consolidada pelo Supremo quanto à inexistência de vínculo trabalhista em contratos de franquia.
O vínculo de emprego havia sido reconhecido por acórdão da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), de São Paulo. Inconformada, a Prudential, dona de uma rede de franquias, entrou com recurso para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Embora 4 das 8 turmas do TST já tenham reconhecido a validade do padrão da franquia da seguradora em 24 decisões, neste caso a 6ª Turma entendeu pelo não conhecimento do apelo, deixando de analisar o mérito da questão. A Prudential então ingressou com nova Reclamação Constitucional diretamente para o STF.
Até agora, a companhia venceu todas as 13 reclamações julgadas pelo Supremo em que se discute vínculo de emprego em contrato de franquia. A primeira vitória ocorreu em março de 2023, quando o ministro André Mendonça determinou a suspensão de um acórdão do mesmo TRT-2, que havia desrespeitado o entendimento do STF nos julgamentos da ADPF 324, das ADCs 48 e 66 e das ADIs 3.961 e 5.625, nos quais, nas palavras do próprio ministro, foi reconhecida “a validade de terceirizações ou qualquer outra forma de divisão do trabalho, inclusive relações contratuais, como as existentes na modelagem de franquias”.
Nas decisões proferidas, o Supremo fixou entendimento vinculante de que o ordenamento jurídico não privilegia uma forma determinada de divisão do trabalho (relação de emprego) em detrimento de lícitos e diversificados modelos organizacionais fundados na livre iniciativa e autonomia privada das partes contratantes. O que se percebe, portanto, é que o STF consolidou a jurisprudência quanto à constitucionalidade de arranjos contratuais que encontrem guarida no ordenamento jurídico, sobretudo quando firmados com profissional hipersuficiente, como é o caso de empresários que adquirem franquias da Prudential.
Insegurança jurídica
Apesar das reiteradas decisões do STF, parte dos magistrados da Justiça trabalhista ainda segue aplicando a tese de que é ilícita qualquer relação de trabalho que não seja estruturada como relação de emprego.
Essa situação levou a Prudential a encomendar estudo para analisar o padrão das decisões da Justiça do Trabalho após o julgamento das Reclamações Constitucionais. Curiosamente, o que se constatou foi que os juízes de primeira instância têm respeitado muito mais a autoridade das decisões vinculantes do STF do que os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).
Desde abril do ano passado, quando a Segunda Turma do Supremo julgou favoravelmente, de maneira unânime, a primeira Reclamação Constitucional proposta pela Prudential (Reclamação 58.333/SP), os juízes de primeira instância reconheceram o vínculo de emprego em 32% dos processos analisados. Antes dos julgamentos das Reclamações para o STF, esse índice era de 70%.
Já em segunda instância, o efeito foi contrário. Os TRTs reconheciam o vínculo empregatício em 55% dos processos antes dos julgamentos das Reclamações Constitucionais da Prudential. Atualmente, esse índice subiu para 73%. Chamam atenção também alguns pronunciamentos de membros dos TRTs reconhecendo os inúmeros precedentes do STF e TST, mas abertamente declarando que não seguirão por questões ideológicas e/ou institucionais.
O TST, por sua vez, examinou o contrato de franquia da Prudential 24 vezes. Em todas essas oportunidades em que enfrentou o mérito da questão, decidiu pela inexistência de vínculo de emprego entre a franqueadora e os ex-franqueados. Em uma oportunidade, o TST também manteve a incompetência da Justiça do Trabalho para analisar contratos de franquia, mantendo acórdão do TRT-2.
No entanto, no último caso analisado, a 6ª turma do TST entendeu por não analisar o recurso da Prudential, deixando de aplicar a jurisprudência da própria Corte e do Supremo.
Ponto pacífico entre as instituições
A consolidação da jurisprudência quanto à inexistência de vínculo trabalhista na relação de franquia é reconhecida também por outras instituições do sistema de Justiça. Recentemente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) também se alinhou aos precedentes vinculantes do STF.
Em parecer encaminhado ao Supremo, o subprocurador-geral da República, Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, concordou com a tese exposta na Reclamação Constitucional 62.353/SP, apresentada pela Prudential. Carvalho lembrou que o STF já reconheceu, em diversas oportunidades, a constitucionalidade e a legalidade de modalidades de relação de trabalho diferentes das relações de emprego reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No fim do ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) celebrou um acordo judicial com a Prudential que extinguiu duas Ações Civis Públicas (0000107-86.2010.5.03.0001 e 0000206-79.2010.5.01.0076) que, desde 2010, questionavam o modelo de negócios adotado pela seguradora. Segundo o MPT, “a convergência de entendimento foi necessária devido à evolução legislativa advinda com Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a nova Lei de Franquia (Lei 13.966/2019) e a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019)”.
Homologado em janeiro pelo vice-presidente do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, o acordo representou o fim de uma discussão jurídica de mais de uma década. O reconhecimento, por parte do MPT, de que o contrato de franquia da Prudential possui natureza mercantil repercute na própria discussão sobre a competência da Justiça do Trabalho para avaliar a validade da relação contratual.