A cessação da eficácia de cautelares antecedentes: A Nova Lei 14.550/2023 criou uma exceção ao art. 309 do CPC?
As medidas cautelares são instrumentos processuais que visam garantir a efetividade do processo principal, assegurando a proteção dos direitos em litígio, prevenindo danos e evitando a perda de seus efeitos práticos. Tais medidas podem ser concedidas tanto no âmbito civil quanto penal e podem incluir a suspensão de atividades, a separação de fato, a proibição de contratar com o poder público, o bloqueio de bens, dentre outras medidas.
*** Eduardo de Avelar Lamy – sócio do Lamy e Faraco Lamy Advogados, pós doutor pela UFPR com período de pesquisa no Instituto Max Planck em Luxemburgo, doutor e mestre pela PUC/SP, professor dos cursos de doutorado, mestrado e graduação da UFSC
As medidas cautelares são instrumentos processuais que visam garantir a efetividade do processo principal, assegurando a proteção dos direitos em litígio, prevenindo danos e evitando a perda de seus efeitos práticos. Tais medidas podem ser concedidas tanto no âmbito civil quanto penal e podem incluir a suspensão de atividades, a separação de fato, a proibição de contratar com o poder público, o bloqueio de bens, dentre outras medidas.
No entanto, apesar de terem um caráter temporário, as medidas cautelares podem ser, por decisões equivocadas, terem cessados seus efeitos antes do momento ou adequado ou mesmo podem ser mantidas indevidamente por períodos prolongados, o que pode gerar prejuízos irreparáveis para os envolvidos no processo.
Nesse sentido, é importante que haja possibilidade de cessação da eficácia dessas medidas quando a situação que motivou sua concessão já não se justificar mais. Por outro lado, enquanto a situação que as motivou persistir, seus efeitos não devem cessar, independente do cumprimento de prazos para propositura de ações principais.
No Brasil, infelizmente ainda vinga como regra a interpretação literal e procedimental do art. 309 do CPC. A cessação da eficácia das medidas cautelares pode ocorrer por diversas razões, como o decurso do prazo de sua duração e a não propositura da ação principal no prazo do art. 309 do CPC. Também são causas a alteração das circunstâncias que motivaram sua concessão, a superveniência de decisão judicial ou a revogação por iniciativa da parte que a requereu.
No entanto, é importante destacar que a cessação da eficácia das medidas cautelares deve ocorrer mediante decisão judicial fundamentada, que leve em consideração os interesses envolvidos e o princípio da proporcionalidade na hipótese.
Além disso, é preciso garantir que a cessação não prejudique o andamento do processo principal e que os direitos das partes sejam adequadamente protegidos.
Entretanto, recentíssimas alterações legislativas enriqueceram as disposições legais do ordenamento brasileiro a respeito deste tema, em virtude do novo parágrafo 6º do art. 19 da lei Maria da Penha, alterado pela recente Lei 14.550/2023. Segundo o novo dispositivo legal:
§ 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.” (NR)
Trata-se, inicialmente, de uma didática demonstração da aplicação do princípio do poder geral de cautela a uma circunstância absolutamente frequente na realidade de inúmeras famílias brasileiras.
Em nossa opinião, aprimora-se, por conseguinte, a regra do art. 309 do CPC de 2015, para fazer com que a eficácia da medida cautelar antecedente não cesse imediatamente na hipótese da não propositura da ação principal no prazo de 30 dias, nas hipóteses em que o risco de dano, conforme a realidade dos autos, persiste.
Em outras palavras, enquanto a realidade dos autos demonstrar a existência risco em delitos de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, tanto da ofendida quanto de seus dependentes, não há que se falar em cessação da eficácia da medida cautelar.
Mais uma vez, a nova lei está sendo apenas didática. Fica claro que neste tipo de circunstância, por força do inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, já não era possível que a interpretação na hipótese fosse formal a porto de retirar-se a eficácia de medidas cautelares nas hipóteses em que há evidências de que o risco para os ofendidos persiste, ainda que não tenha sido proposta a ação principal no prazo do art. 309 do CPC.
Em resumo, a cessação da eficácia das medidas cautelares é um tema relevante no sistema jurídico brasileiro, que visa garantir a proteção dos direitos das partes envolvidas nos processos e a adequada condução dos procedimentos judiciais.
A sua aplicação deve ser realizada de forma cuidadosa e fundamentada, respeitando os princípios constitucionais e processuais aplicáveis ao caso sob julgamento. A lei 14.550/2023 não está, enfim, criando uma exceção art. 309 do CPC 2015.
Está em verdade, trazendo um aprimoramento didático que merece sempre mereceu ser considerado em face do inc XXXV do art. 5º da CF, e cujo princípio central – de que eficácias não cessam enquanto ainda houver risco – deve ser aplicado inclusive para fora dos casos de violência doméstica. Está-se aprimorando a própria regra do art. 309.