Nesta semana, está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB) para mudar o teor da Lei Maria da Penha, criada para proteger mulheres e vítimas de violência doméstica. A análise — prevista para quarta-feira (23) — do plenário será da validade da alteração feita em um trecho da Lei que permite a concessão, por autoridades policiais, de medidas protetivas em caso de risco à vida ou integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.
A posição da AMB é clara: a alteração ofende o princípio da “reserva de jurisdição” — o impedimento de outros órgãos exercerem atividades pertencentes ao núcleo essencial da função jurisdicional, sendo corolário do princípio da separação dos poderes, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, segundo a Associação, “não se pode cogitar a possibilidade de um policial ou delegado adentrar tais locais, sem ordem judicial, para retirar alguém do ambiente e ainda mantê-lo afastado, privando-o da sua liberdade, antes do devido processo legal”. A entidade entende que as duas hipóteses (ingressar no domicílio e restringir a liberdade de alguém) são típicas da absoluta reserva constitucional de jurisdição.
Além disso, a AMB refuta outra alegação dos defensores da alteração legislativa: a de que sua aplicação se dará apenas em cidades em que não há juiz. Em sua petição, a entidade ressalta que a maioria dos casos de violência contra a mulher ocorrem nas grandes cidades, onde o Poder Judiciário está presente.
Para o advogado e professor Leonardo Pantaleão, especialista em Direito Penal, a alteração é “relevante” — “e tem por objetivo ofertar maior celeridade na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, permitindo a fixação de medidas protetivas por parte da autoridade policial”. Ele acrescenta, no entanto, que é “inegável, por outro lado, que a discussão repousa na constitucionalidade de se transferir tal arbítrio aos delegados de Polícia, mesmo que necessária a validação posterior do Poder Judiciário”.
O também advogado criminalista e professor Matheus Falivene concorda em parte. “As medidas cautelares, por representarem restrição à liberdade do indivíduo, em regra, somente podem ser decretadas pelo Poder Judiciário. Contudo, visando dar maior efetividade ao sistema, o legislador alterou a Lei Maria da Penha para permitir que o Delegado de Polícia decrete algumas medidas protetivas de urgência no âmbito de casos de violência doméstica contra a mulher. Apesar das boas intenções, essa lei é de constitucionalidade duvidosa e deve ser criteriosamente debatida pelo Supremo Tribunal Federal.”