Por Alessandra Palma e Julio Cesar de Souza
A Lei 14.112/20 trouxe alterações significativas ao procedimento recuperacional, dentre as quais, a possibilidade da expansão do prazo para pagamento dos créditos trabalhistas e acidentários, que anteriormente limitava-se ao prazo de 1 (um) ano, conforme redação trazida pelo art. 54, da LRF.
Através da inserção do § 2º, ao art. 54 da Lei n° 11.101/2005, o legislador determinou que o supramencionado poderá ser estendido por mais 2 (dois) anos, desde que, cumulativamente, a empresa recuperanda apresente (i) garantia o pagamento desses créditos, a qual deverá ser analisada pelo juízo da recuperação judicial, (ii) ausência da aplicação de deságio para os credores trabalhistas e (iii) aprovação da extensão do prazo de pagamento pelos credores trabalhistas, na forma do §° 2 do art, 45 .
Tal alteração é de grande relevância, pois há muito tempo já se pleiteava a ampliação do prazo para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho, que muitas vezes correspondem a um passivo expressivo nas empresas recuperandas, mas que de outra ponta configuram débitos de natureza alimentar.
Contudo, apesar do avanço da alteração trazida pela Lei n° 14.112/2020 acima ventilada, a reforma manteve a lacuna acerca do termo inicial da contagem do prazo para pagamento dos créditos trabalhistas, mantendo a divergência jurisprudencial acerca do tema.
Veja, o artigo 54 da LRF determina que ‘o plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial’.
No entanto, não menciona a partir de qual data que deveria ser computado o prazo suscitado em sua redação.
Diante de tal omissão, antes mesmo da promulgação da Lei n° 14.112/2020 os Tribunais Estaduais começaram a redigir enunciados que estipulavam qual seria o termo inicial a ser considerado pelas Recuperandas, chegando até mesmo a determinar, de ofício, o pagamento imediato dos débitos trabalhistas sob o argumento de que o prazo contar-se-ia ‘da homologação, ou do término do stay period, independente de prorrogação’.
Tal fato, além de gerar insegurança jurídica em razão da sobreposição de competência entre os poderes, fez com que diversas empresas que já tinham seus planos de recuperação judicial homologados, se deparassem com uma imposição de pagamento totalmente diversa do que fora aprovado pelos seus credores, provisionado em caixa e desconexa ao disposto na LRF. Ato este que poderia levar essas empresas à quebra em razão da impossibilidade de cumprimento das determinações impostas unilateralmente pelos Tribunais Estaduais em seus Enunciados.
Ciente da ausência da unicidade da interpretação da norma supra pelos juízos estaduais, diversas medidas foram apresentadas aos Tribunais Superiores para deliberação definitiva sobre o tema.
Nelas, as próprias Recuperandas solicitavam a concessão de tutelas de urgência para que pudessem dar cumprimento ao plano nos termos aprovados pelos credores enquanto o artigo 54 pendesse de interpretação definitiva, sendo neste sentido inclusive a Tutela 2729/SP (2020/0112231-5) , na qual o I. Min. Marco Buzzi determinou, em caráter de urgência, a sustação da ordem de pagamento exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos do Agravo de Instrumento n° 2148752-16.2019.8.26.0000, até o julgamento definitivo do REsp n° 1891796/SP (2020/0215998-8) e prosseguimento do cumprimento do plano de recuperação judicial nos termos aprovados pelos credores.
Atualmente o tema permanece sem respaldo legal, mas em decisão do Recurso Especial nº 1.924.164, o Superior Tribunal de Justiça já balizou que a interpretação do prazo previsto no art. 54 da Lei n. 11.101/05 deveria considerar a data da concessão da recuperação judicial.
Inclusive, tem cassado as determinações estaduais que impõem medidas contrárias ao seu posicionamento, de modo a prover não apenas uma segurança maior às empresas em recuperação judicial, como também aos credores sujeitos ao procedimento, que deverão receber seus créditos nos termos do plano aprovado.
Louvável portanto, a atuação dos Tribunais Superiores quanto aos créditos trabalhistas, pois para além da literalidade da norma, deve-se observar a função social para qual se destina.
De igual modo, notável as alterações promovidas pela Lei n° 14.112/2020 à LRF, na medida em que projeta novas perspectivas para a recuperação judicial no tratamento dos créditos trabalhistas e dá a devida atenção que os créditos de natureza alimentar em paralelo à proteção da atividade empresarial e aos interesses sociais que permeiam a empresa em recuperação.