Por Milena Dalmolin e Daniel Jorge Cardozo
Com as reformas introduzidas na Lei 11.101/2005 (“LREF”) pela Lei 14.112/2020, ganha relevância o tema que envolve atos constritivos em desfavor da empresa recuperanda. Isto porque, foram incluídos os parágrafos 7-A e 7-B ao artigo 6º, os quais regulam a matéria. E o que ocorre com relação aos atos constritivos sobre bens essenciais à atividade da empresa em recuperação judicial – a controvérsia sobre a penhora de valores?
Antes da reforma, a salvaguarda das empresas no tocante aos atos constritivos que recaíssem sobre bens essenciais ao seu funcionamento, se encontrava disposta no artigo 49, parágrafo 3º da LREF, que trata dos créditos não sujeitos à recuperação judicial. Sobre os bens, o dispositivo em questão destaca que “[…] não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.
Tal artigo não foi revogado pela Lei 14.112/2020. Contudo, a matéria passou a ser regulamentada pelo parágrafo 7-A do artigo 6º da LREF.
O parágrafo 7-A prevê que os créditos denominados extraconcursais, ou seja, que não estão sujeitos à recuperação judicial, podem ser perseguidos em ambiente alheio ao do processo recuperacional. Muito embora possam ser executados em demandas individuais, estes credores não podem constringir bens de capital essenciais à manutenção das atividades da empresa, sendo fixada a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão destes atos.
A doutrina conceitua como bens de capital essenciais “aqueles tangíveis de produção, como prédios, máquinas, equipamentos, ferramentas e veículos, entre outros efetivamente empregados, direta ou indiretamente, na cadeia produtiva da recuperanda ”. Embora dinheiro não figure nesta lista, a penhora sobre valores em face de empresa em recuperação judicial é matéria controversa na jurisprudência, pois considerando que todas as empresas necessitam de recursos financeiros para preservar sua atividade, constringir valores pode sim levar à impossibilidade do almejado soerguimento.
A análise deve ser feita de acordo com o caso concreto, posto que poderão existir situações em que a penhora, se mantida, opera “absoluto sufocamento” do caixa da empresa, impedindo que a recuperanda se mantenha, inobstante o pedido de recuperação judicial em curso – e isso em razão de um crédito extraconcursal.
Foi neste sentido que caminhou a decisão exarada no Agravo de Instrumento nº 2259855-57.2021.8.26.0000 , julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em primeiro grau, o entendimento também pode ser observado, citando-se a exemplo a recuperação judicial nº 1080871-98.2017.8.26.0100 , em decisão exarada pelo Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Capital, bem como a recuperação judicial nº 0003562-08.2013.8.26.0472 , em decisão proferida pela Dra. Joanna Palmieri Abdallah, da 1ª Vara da Comarca de Porto Ferreira – SP.
As discussões e divergências se afloram, pois no momento em que o dispositivo legal faz referência a “bem essencial” e a impossibilidade de constrição sobre os mesmos, com o fito de preservar a atividade , a doutrina e jurisprudência deliberadamente excluem dinheiro deste conceito, mesmo sendo este o principal ativo de uma empresa (permite o pagamento da folha salarial e dos fornecedores, a compra de matéria-prima, o custeio das despesas correntes, etc).
Com isso, cria-se o impasse, pois em determinadas situações (e por isso a importância da análise do caso concreto), permitir a penhora do dinheiro é desencadear uma série de consequências que colocam em risco justamente o que o legislador pretendeu proteger: a atividade da empresa.
Outro ponto fora da curva e que implica diretamente na aplicação do parágrafo 7-A a partir do conceito que se tem de bem de capital essencial, é o que já vinha sendo pontuado pelo Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho em 2019, acerca da chamada “desmonetização ” e o movimento da virtualização das empresas.
Sabe-se que com a Pandemia do Coronavírus e as medidas restritivas de circulação impostas, a tecnologia deu um salto, e o papel-moeda, hoje em dia, é peça rara. Dito isto, cada vez mais passarão a existir empresas que não possuem ativos tangíveis (os considerados bens de capital essenciais, conforme a doutrina), mas apenas gerenciam bens intangíveis, auferindo tão somente a renda (dinheiro) desta atividade.
Esta empresa, portanto, não será merecedora da proteção do parágrafo 7-A? Considerando que não possui ativos tangíveis, estará fadada a ter seu rendimento (dinheiro) penhorado? São lacunas que dependerão da análise do caso concreto e do avanço jurisprudencial, pois o direito deve acompanhar a evolução e os fenômenos sociais.
É, portanto, mais do que necessária a análise ponderada, equilibrada e condizente à realidade da empresa, realizada pelo juiz que conhece todo o trâmite recuperacional, pois uma vez que cada empresa tem suas particularidades, não há receita pronta que sirva à todas elas. Isso fortalece o processo de recuperação da empresa, minimiza os riscos de uma falência e maximiza as chances de êxito e superação da crise, o que reverte em benefício da coletividade de interesses que gravita em torno da empresa recuperanda.