Anna Carolina Faraco Lamy e Eduardo de Avelar Lamy
Quando se estuda a doutrina jurídica tradicional a respeito do Compliance é comum se deparar com o conceito de cumprimento normativo voluntário. Mas, afinal, o sentido de implantar um programa de Compliance se esgota na promoção do cumprimento de normas? E mais: se for esse o único propósito de um programa de Compliance, seria ele mapeado como prioridade nos planejamentos estratégicos das organizações?
Insta frisar que não se está afirmando que empresas não se ocupam da importância de cumprir normas; mas apenas que, quando se trata da estratégia de uma organização, cumprir normas não é prioridade. Em geral, os temas que aparecem nos planejamentos estratégicos estão ligados à sustentabilidade corporativa, ao crescimento orgânico e profitability.
É importante também destacar que o Compliance não nasce como um tema preponderantemente jurídico; aliás, ele sequer se sustenta quando pensado somente do ponto de vista de enforcement.
Mas ao alcançar tais conclusões algumas inquietudes podem surgir. A primeira parece ser: se o Compliance não é sobre cumprir norma, do que efetivamente se trata?
A resposta perpassa por um terreno muito mais fértil ao planejamento estratégico de organizações: o Compliance parece ser – inicialmente e em sua essência – uma ferramenta de autoconhecimento e gestão de riscos.
A visibilidade que a implantação de um programa efetivo de Compliance dá aos gestores proporciona mais nitidez quanto aos principais riscos que podem afetar a sustentabilidade ou mesmo a estabilidade dos negócios.
Com a clareza a respeito desses riscos, é possível conceber e implementar medidas de mitigação que promovam a sua gestão consciente e maior controle sobre o potencial resultado da concretização do risco previsto.
A principal ferramenta a este propósito é o risk assessment, que consta como pilar de todas as principais normas que versam sobre o tema internacionalmente (destacando-se o FCPA e o UK Bribery Act).
A análise de riscos também aparece no artigo 42, V do Decreto-Lei 8.420, que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13) e as etapas de implantação a um programa de integridade efetivo.
A segunda preocupação que pode surgir desta conclusão é a de que o Compliance, portanto, não teria qualquer interrelação com a redução ou evitamento da corrupção.
Não é o caso. Com a gestão consciente, pautada no reconhecimento e mitigação dos riscos, o cumprimento normativo voluntário é consequência.
Com efeito, o Compliance não é – como conceito – cumprir normas. Mas a promoção do cumprimento normativo voluntário é uma consequência inevitável da implantação de um programa efetivo de Compliance.
Deste modo, o Compliance segue sendo uma ferramenta eficiente na redução da corrução – aliás, na redução de inconformidades normativas de todas as naturezas. Não porque seja esse o seu propósito, mas porque isso acaba sendo uma de suas consequências naturais.
Todavia, o propósito primário da implantação de um programa de Compliance ainda parece ser a gestão consciente, a redução do risco corporativo e promoção da sustentabilidade.
Por meio desse exercício de autoconhecimento e sensibilização de todas as esferas da organização (o que se obtém, principalmente, por meio de treinamentos), acaba-se por também promover o cumprimento de normas e, consequentemente, a redução da exposição à corrupção.