Por João Antônio Motta
O Código de Processo Civil é de uma invulgar clareza, quando diz que a “… pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei” (art. 98).
Não é necessário ser catedrático na língua pátria para bem observar que a exigência da lei se dá pela “insuficiência de recursos”, que pode atingir ricos, pobres ou remediados.
Contudo, dia após dia, se vê nos fóruns do país decisões atrás de decisões dizendo que o jurisdicionado não é pobre na acepção jurídica do termo, motivo pelo qual indeferem o pedido de gratuidade.
Isso se dá quando, no mais das vezes, há inúmeros requerimentos de SISBAJUD infrutíferos, o que por si só seria suficiente para caracterizar a insuficiência de recursos, mas, o que é mais sério, no caso concreto se deu após o juiz de piso dizer textualmente: “… trata-se de mais um caso de irremediável insolvência, dentre milhares, dentre milhares, esgotadas as diligências do juízo”.
Ora, não conseguindo encontrar valores em contas-correntes ou aplicações, nada mais seria preciso para provar e bem provar a incontrastável “insuficiência de recursos”, sendo que, no caso, ainda foi dito se tratar de um caso de irremediável insolvência.
Pois bem, pendendo perícia e indeferida a gratuidade de justiça, houve recurso onde se disse que não, as pessoas físicas e jurídicas não eram pobres, mas não tinham recursos suficientes para pagar o valor orçado para a necessária perícia, requerida por ambas as partes litigantes e já antes deferida pelo juízo.
Disseram ainda que antes mesmo da redação clara e objetiva do novo Código de Processo Civil, Pontes de Miranda já esclarecia que “… há diferença entre assistência judiciária e benefícios da justiça gratuita (“Comentários à Constituição de 1.967, com a E.C n.º 1 de 1.969”, vol. V, 3ª ed., Forense, Rio, 1.987, p. 642). Benefício da justiça gratuita é direito de dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o Juiz que tem o poder-dever de entregar a prestação jurisdicional. Instituto de direito pré-processual, a assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória das despesas, a indicação de advogado. O instituto é mais de direito administrativo do que de judiciário civil, ou penal” (2º TACiv.SP – 11ª Câm., Agr.Instr. n.º 726.884-00, v.u. em 11/03/2002, rel. Juiz de Alçada Artur Marques).
Contudo, seus esforços colidiram com uma barreira intransponível: a necessidade de arrecadação. Portanto, a discussão não é jurídica, porque não é crível que juízes e desembargadores desconheçam as diferenças entre isenção (assistência judiciária) e dispensa provisória (gratuidade), sendo mais fácil negar jurisdição em benefício da arrecadação.
Aliás, a justificativa não é desprezível: não se pode transferir aos pagadores de impostos os ônus de quem quer litigar. É claro, justificável, mas é um sofisma.
Primeiro porque o argumento vai contra o texto da lei, segundo porque a dispensa provisória deveria ser aprimorada para que, quando viessem os meios, a suficiência de recursos, o jurisdicionado favorecido com a dispensa provisória não deixasse de cumprir sua obrigação.
Aliás, a pena pelo descumprimento não é barata e pode ser fixada em até dez vezes o valor das custas e despesas que se adiou o pagamento (CPC, art. 100, § único), sendo que isso também vale para quem faltou com a verdade, quem tendo condições não cumpre com suas obrigações e quer, aí sim, repassar o ônus de litigar aos pagadores de impostos.
A verdade é uma só: por conta de uma política arrecadatória, mais e mais a jurisdição nega o cumprimento da lei e, não raras vezes, nega atender quem bate a sua porta. Isso tem de mudar, e rápido, basta a magistratura perder a timidez em condenar por má-fé quem vem pedir sem ter direito, aplicando ainda a multa em benefício da Fazenda Pública.