Junho é conhecido mundialmente como o mês da diversidade, já que celebra a luta pelos direitos das pessoas LGBT e o combate contra a discriminação social, que infelizmente causa altas taxas de depressão, ansiedade e índice de suicídios entre indivíduos desse grupo.
Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), no primeiro semestre de 2021, 89 pessoas trans foram mortas no Brasil, sendo 80 delas por assassinatos e 9 suicídios, além de 33 tentativas de assassinatos e 27 violações de direitos humanos.
A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, instituída em 2011, é um avanço na garantia do acesso e implementação de políticas públicas para essa população, afirma a Dra. Tatiana Viola de Queiroz, advogada especializada em direito à Saúde.
Algumas medidas têm sido tomadas para que os direitos à saúde das pessoas desse grupo sejam cada vez mais atendidos e respeitados. A Carta de Direitos dos Usuários e Usuárias do SUS, por exemplo, reconhece a diversidade de identidades de gênero e garante o respeito ao nome social — nome pelo qual algumas pessoas desejam ser chamadas no cotidiano, independente do registro civil.
“Dessa forma, o nome social de pessoas trans e travestis deve ser respeitado no preenchimento dos prontuários nas salas de espera, nas relações interpessoais nos serviços de saúde e também na impressão do Cartão Nacional do SUS. Essa é uma forma de garantir o acesso aos serviços de saúde sem preconceito e discriminação, auxiliando na promoção da saúde desta população”, reforça a advogada.
A redesignação sexual no SUS
No Brasil, o acesso aos procedimentos para a cirurgia de redesignação sexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS) está previsto desde 2008 e em 2013, a lei ampliou o atendimento para homens e mulheres transexuais. O documento reúne uma série de diretrizes para a realização do processo no contexto da saúde pública.
Dos serviços de atenção primária, os usuários que desejam realizar a cirurgia de redesignação sexual devem ser encaminhados aos serviços especializados, ainda no contexto do SUS, nas modalidades ambulatorial e hospitalar, para dar andamento ao processo.
Desde agosto de 2008, o SUS realiza a cirurgia de redesignação sexual para mulheres trans. Em junho de 2019, a lei passou a permitir o procedimento também para homens trans. No entanto, acessar esse direito ainda é um desafio.
Atualmente existem apenas cinco centros de saúde credenciados pelo SUS que promovem esse tipo de cirurgia no Brasil, localizados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Goiânia e Recife. Para procedimentos ambulatoriais, que incluem acompanhamento multiprofissional e hormonioterapia, são 12 hospitais referenciados em todo o país. De acordo com o Ministério da Saúde.
Tatiana reforça “mesmo não sendo habilitados, o que implicaria em um custeio federal adicional, existem outros serviços de saúde no país que podem realizar procedimentos como mastectomia (cirurgia de remoção completa da mama) e cirurgia plástica”.
Nova norma do CFM sobre atendimento aos trans
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma norma em 2019 que atualiza as regras para o atendimento médico às pessoas transexuais. Entre as principais mudanças está a alteração na idade para a cirurgia, que foi reduzida de 21 para 18 anos. Já as terapias hormonais passam a ser liberadas a partir dos 16 anos.
A nova norma também contempla questões como o bloqueio puberal, (interrupção da produção de hormônios sexuais), e a hormonioterapia cruzada, (forma de reposição hormonal na qual os hormônios sexuais e outras medicações hormonais são administradas ao transgênero para feminização ou masculinização), e regulamenta os processos cirúrgicos.
Sobre esta resolução, o Ministério da Saúde afirmou, em nota, que irá avaliar e discutir com outros órgãos de governo, a partir das normas já existentes, a aplicação ao SUS, que não é automática.
Alguns protocolos do SUS ainda não são adaptados para pessoas trans, como certos tipos de tratamento referentes à saúde reprodutiva que são negados nos sistemas de marcação de consulta. “Por exemplo, uma mulher trans que tenha retificado o documento ainda precisa fazer exames de próstata. O mesmo ocorre com homens trans que não passaram por cirurgia e precisam fazer exames ginecológicos, mas não conseguem marcar”, reforça a Dra. Tatiana.
Cirurgia de redesignação sexual pelos planos de saúde
A pessoa transgênero faz acompanhamento psicológico, psiquiátrico e médico e realiza tratamento hormonal, até mesmo, a cirurgia de redesignação sexual para modificar a aparência de acordo com o sexo com o qual se identifica. “Não se trata de um procedimento meramente estético, mas sim um procedimento reparador de uma condição que traz intenso sofrimento psicológico”, complementa a advogada.
A cirurgia de redesignação sexual, que também pode ser conhecida por outros nomes, como processo transexualizador, transgenitalização e cirurgia de mudança de sexo, engloba uma série de procedimentos clínicos e cirúrgicos com o objetivo de alterar as características sexuais fisiológicas do indivíduo.
Além da terapia hormonal, a cirurgia pode englobar a remoção do pênis, a colocação de próteses mamárias, a remoção do útero, ovário e mamas e a construção de um novo órgão genital.
O que diz a ANS sobre a cobertura da cirurgia?
Alguns desses procedimentos, como a amputação total de membro e a cirurgia de neovagina, estão previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Outros, como a clitoroplastia, não. Por esse motivo, muitos planos de saúde se recusam a custear a redesignação sexual alegando que o procedimento prescrito não faz parte do rol de cobertura obrigatória ou que o paciente não preenche às Diretrizes de Utilização Técnica da ANS.
Para a Dra Tatiana, graças à atual decisão do STJ, para pleitear o custeio da cirurgia pelo plano de saúde é necessário mostrar que se enquadra nas exceções, entre elas, provar que no rol da ANS não há procedimento que atenda ao objetivo pleiteado na prescrição médica.
Sobre a Dra. Tatiana Viola de Queiroz- Sócia-fundadora do Viola & Queiroz Advogados Associados, tem mais de 20 anos de experiência como advogada. É Pós-Graduada e especialista em Direito Médico e da Saúde, em Direito do Consumidor, no Transtorno do Espectro Autista, em Direito Bancário e em Direito Empresarial. É membro efetivo da Comissão de Direito à Saúde da OAB/SP. Atuou por oito anos como advogada da PROTESTE, maior associação de defesa do consumidor da América Latina.