A Aplicabilidade das Condições Precedentes aos Contratos de M&A

Por Gabriel Zugman e Rodrigo Coppla Mann*

No universo jurídico, a condição é evento futuro e incerto ao qual estão subordinados os efeitos do negócio jurídico. Em linhas gerais, a condição pode ser de natureza suspensiva ou resolutiva. Em singelo exemplo, um pai que diz à filha “quando você for aprovada no vestibular, lhe darei de presente um carro popular”, está fazendo uma promessa de doação com condição suspensiva. Significa dizer, é condição para a ocorrência da doação a materialização de um evento futuro e incerto, no caso, a aprovação da filha no vestibular. Sem aprovação no vestibular, sem doação de carro.

No exemplo acima, a condição é de natureza suspensiva, pois a eficácia do negócio jurídico fica suspensa até que ocorra a materialização da condição precedente (a aprovação no vestibular).

Noutro sentido, após a mesma filha ser aprovada no vestibular, o pai que a ela diz “quando você se formar na universidade, não mais lhe darei mesada”, está impondo uma condição resolutiva a negócio jurídico vigente. Significa dizer, o efeito do negócio jurídico subsiste (o pai continuará dando mesada) até que e se a condição resolutiva se materializar. Para a interrupção do pagamento da mesada, é necessária a materialização de um evento, no caso, a graduação da filha na universidade. Sem graduação na universidade, sem interrupção do pagamento da mesada.

No exemplo do parágrafo anterior, a condição é de natureza resolutiva, pois a eficácia do negócio jurídico se resolve ou termina com a materialização da condição precedente (a formação na universidade).

No contexto das operações de M&A (fusões e aquisições), a condição suspensiva, conforme prevê o artigo 125 do Código Civil, traz a ideia de que a transferência de propriedade das ações (ou quotas) do vendedor para o comprador (acrescidos dos direitos e as obrigações estipulados no contrato de compra e venda) só se concretizará se e quando a condição especificada for efetivamente cumprida e/ou verificada. Enquanto tal condição não for satisfeita, o contrato permanece suspenso e os efeitos jurídicos não se concretizam.

Cabe salientar que a condição, além do elemento incerteza – ainda que remoto, em alguns casos – depende da aceitação voluntária das partes, sendo vedada a condição puramente potestativa, aquela sujeita ao puro arbítrio de uma das partes..

No jargão de M&A, em virtude de anglicismo, tais condições são comumente referidas como condições precedentes, pois sua ocorrência deve preceder a consumação do negócio jurídico; sob a terminologia do direito brasileiro, tal termo é sinônimo de condições suspensivas.

Para melhor ilustrá-las, é necessário trazer alguns exemplos práticos desta ferramenta contratual e demonstrar a aplicabilidade em casos concretos.

Na fase pré-contratual, um exemplo de condição suspensiva é a conclusão da due diligence de forma satisfatória ao comprador. Esse processo envolve uma análise detalhada das informações da sociedade-alvo. Não raras vezes, o comprador, visando garantir sua segurança econômica e jurídica, condiciona o fechamento do negócio à conclusão de uma diligência em termos satisfatórios.

Em alguns casos, a condição suspensiva depende de um ato de terceiro. O exemplo clássico são as operações de consolidação de negócios que dependem da anuência expressa de órgãos reguladores, como o CADE, a ANEEL e o BACEN. Nessas hipóteses, as partes não possuem sequer o direito de renunciá-los, notadamente pela natureza legal dessas condições. O efeito do negócio jurídico – consumação da transferência das ações e pagamento do preço – é condicionado à aprovação do órgão regulador.

Outros exemplos de condições precedentes comumente aplicadas em operações de M&A, para citar alguns, são: (i) a prévia aprovação do contrato pelo Conselho de Administração, (ii) a prévia transformação do tipo societário da sociedade-alvo, (iii) a não ocorrência de um Efeito Material Adverso (cláusula MAC) entre signing e closing, (iv) a aprovação de uma linha de financiamento para o comprador poder honrar o pagamento do preço.

Para além de condicionar a consumação do contrato em si, é possível que as partes condicionem determinados atos à ocorrência de uma condição específica. Um exemplo disso é condicionar o pagamento de uma quantia adicional ao preço de aquisição na hipótese de sociedade-alvo atingir determinados resultados previamente estabelecidos pelas partes (cláusula denominada earn-out).

Em qualquer das hipóteses, é dever das partes agir segundo o comando orientativo da boa-fé, probidade e lealdade.

Em caso recentemente analisado pelo STJ (REsp nº 2.117.094/SP – 2023/0208203-0), as partes condicionaram o pagamento de earn-out à obtenção de um determinado faturamento proveniente da implementação de um plano de negócios (business plan) pela sociedade-alvo.

Contudo, nesse caso concreto, supostamente teria restado demonstrado no juízo de primeiro grau que uma das partes deliberadamente (dolosamente) criou entraves para obstar a implementação do plano de negócios, o que acarretou a não materialização da condição precedente necessária ao pagamento do valor complementar a que se obrigara em contrato.

No feito, o STJ decidiu por aplicar a previsão contida no artigo 129 do Código Civil, considerando, para fins jurídicos, ter restado verificada a condição precedente, em função de comprovação de conduta maliciosa cometida pelo comprador, e determinado o pagamento do montante financeiro adicional.

Cabe salientar que o tema é profundamente delicado, devendo haver provas contundentes de que uma das partes agiu de forma maliciosa, sob pena de desvirtuar o princípio da alocação de riscos assumidos pelas partes em contrato.

Em interessante parecer publicado na obra Fusões e aquisições: pareceres, Paulo Cezar Aragão se debruça sobre caso concreto em que se discute precisamente a obrigatoriedade de pagamento do earn-out. Em resposta ao Quarto quesito, o il. Autor responde que o pagamento do ­earn-out apenas seria devido na hipótese de implementação da condição precedente prevista em contrato[1].

Sem sombra de dúvida, esta é a regra geral e é o que as partes pactuaram e se sujeitaram em contrato.

Contudo, humildemente entendemos que o STJ chama à atenção para o fato de que, se comportamentos maliciosos e contrários à boa-fé forem devidamente comprovados e destes resultarem diretamente o não cumprimento da condição avençada, poderá haver hipótese de se considerar, por ficção jurídica, cumprida a condição precedente para pagamento do earn-out, ainda que esta não tenha ocorrido no mundo dos fatos.

Em tal caso, a resposta ao Quarto quesito seria afirmativa.

A título de fechamento, cabe observar que as condições precedentes (suspensivas) podem ser ferramentas úteis para a acomodação dos interesses das partes contratantes em operações de M&A, cabendo o alerta de que quanto mais clara e objetivamente forem estabelecidos os deveres de cada parte, menores as chances de uma discussão judicial ou arbitral futura acerca do tema.

 

*Advogados do escritório Domingues Advogados

 

 

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