A Lei Federal nº 13.003/14, que alterou a Lei Federal nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), introduziu importantes mecanismos de proteção aos prestadores de serviços de saúde, como a obrigatoriedade de formalização por escrito dos contratos de credenciamento e de inclusão, nestes documentos, de cláusulas de reajuste de preços.
Conforme o artigo 17-A da Lei Federal nº 9.656/98, os valores e critérios de reajuste devem ser negociados entre as partes nos primeiros 90 dias de cada ano. Na ausência de acordo, aplica-se o índice de reajuste definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), atualmente baseado no IPCA acumulado dos 12 meses anteriores à data de aniversário do contrato.
A prática, no entanto, tem revelado um cenário preocupante, no qual as operadoras de planos de saúde, detentoras de grande poder de mercado, impõem condições desfavoráveis aos prestadores de serviços. Isso inclui a não realização de reajustes ou a aplicação de percentuais inferiores ao IPCA, limitando o direito dos prestadores à correção satisfatória dos valores frente à inflação, como previsto em lei.
Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor, explica que há uma pressão velada dos planos de saúde em relação aos prestadores de serviço para que não ocorra a atualização monetária, chegando ao absurdo de ver uma clínica que presta serviços por anos não ter os valores atualizados. “Isso ocorre, no Brasil, porque não há igualdade entre os prestadores e os planos para negociar, fazendo com que, muitas vezes, os prestadores fiquem reféns dos planos de saúde”, afirma.
Esse foi, exatamente, o caso debatido em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. As partes, uma clínica de ginecologia e a operadora de plano de saúde, firmaram contrato de prestação de serviços médicos, sendo pactuado, por ocasião da celebração do contrato, o pagamento de R$ 60,00 por consulta realizada. Porém, conforme alega a prestadora, do período em que teve início o contrato, em 2013, até o encerramento da relação, em 2020, não houve o correto reajuste dos valores pagos por consulta.
Na decisão, o TJ-SP entendeu que a ausência de correção monetária no pacto entre as partes significa, em termos práticos, que com o transcorrer do tempo, o plano de saúde passou a pagar menos para a prestadora do que aquilo a que havia se obrigado no início da relação contratual.
“As circunstâncias não autorizam a presunção de anuência, porque entre as partes há, em certa medida, relação de dependência, sendo a autora o polo mais fraco da relação, o que, embora juridicamente pareça não lhe limitar a atuação, em aspecto material reduz sua capacidade de se insurgir, com o temor de rescisão contratual”, destaca a sentença.
Sendo assim, o Tribunal concluiu pela condenação do plano de saúde ao pagamento correspondente à correção monetária dos serviços prestados pela clínica credenciada durante o período contratual, pelo IPCA-E, garantindo o pagamento exato da quantia a que se obrigou a pagar, evitando inclusive que ela tenha ganhos indevidos às custas da prestadora de serviços.
Para Stefano, realmente pode se dizer que os prestadores de serviços estão em uma condição de onerosidade manifestamente excessiva, não tendo margem para negociação com os planos de saúde. “Assim, por mais que, de forma isolada, essa jurisprudência não resolva o problema, ela pode ser vista com bons olhos por ser um passo a mais na direção da segurança jurídica.”
Uma negociação justa e equilibrada, que permita a aplicação de reajustes que reflitam adequadamente os custos dos serviços prestados e a inflação, é fundamental para garantir a viabilidade financeira dos prestadores de serviços médicos e a manutenção da qualidade do atendimento aos beneficiários dos planos de saúde.
Além disso, o especialista destaca a importância de a ANS atuar de forma mais efetiva, fiscalizando as práticas abusivas dos planos de saúde e estabelecendo normativas no sentido de não permitir que um contrato seja interrompido pelo simples motivo de o prestador não se sujeitar às condições leoninas que lhe foram impostas.