* Por Lissandro Sampaio, Advogado Criminalista e Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS
O Congresso tem pela frente a possibilidade de demonstrar, na prática, como a negociação, o respeito à lei, o argumento sustentado em dados e o compromisso com a sociedade podem suplantar o embate político baseado apenas em posições cristalizadas à esquerda e à direita. Essa oportunidade está dada no debate a respeito das saídas temporárias de presos em regime semiaberto.
Os parlamentares irão analisar o veto do presidente da República ao Projeto de Lei (PL) 2.253/2022, que restringe o instrumento apelidado de “saidinhas”. O veto presidencial, oficializado no dia 11 de abril, foi parcial, mas acertou o cerne do texto, vetando a proibição da saída temporária.
Após a tramitação, a vedação foi determinada pelo Congresso em março, sob o argumento de que a permissão dada ao preso para visitar a família em feriados e datas comemorativas abre as portas do sistema prisional para o cometimento de crimes. O texto elaborado pelos parlamentares restringe o respectivo benefício, tendo em vista que autoriza a saída apenas aos apenados que estejam cursando os ensinos supletivo, médio, superior ou profissionalizante.
Diante do presente cenário de veto pelo Presidente da República, o Palácio do Planalto escalou o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para justificar o veto. Em pronunciamento à imprensa, Lewandowski disse que “a proibição atenta contra valores fundamentais da Constituição, contra o princípio da dignidade da pessoa humana”. Ressaltou também que as datas especiais, como Páscoa e Dia das Mães, são importantes para a família do “ponto de vista cristão” e que os demais trechos do PL, que endurecem os critérios para autorização do benefício, foram mantidos.
A respeito dos pontos não vetados pelo Presidente da República, houve a vedação do benefício da saída temporária os condenados por crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa. Antes a restrição versava unicamente para os apenados que cumprem pena por crime hediondo com resultado morte.
O fato é que a bandeira da proibição da “saidinha” se tornou uma peça de fácil propagação porque está baseada em casos chocantes registrados no país. No entanto, ao analisar os dados estatísticos, são episódios pouco recorrentes envolvendo percentual pequeno no universo de presos que têm direito a usufruir da saída temporária.
A regra atual, que prevê uma série de requisitos, como ter cumprido ao menos um sexto da pena (primário) ou um quarto da pena (reincidente), comportamento adequado e compatibilidade do instituto com os objetivos da pena. Além dos aludidos requisitos, importante salientar que a decisão do Magistrado da Execução Penal será fundamentada, bem como serão ouvidos o Ministério Público e a Administração Penitenciária sobre o benefício do apenado.
Em termos técnicos, o benefício da saída temporária contempla os ditames do art. 5º, XLIX, da Constituição Federal:” é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Igualmente, a dimensão da ressocialização pode ser encontrada em Tratados Internacionais, nos quais o Brasil é signatário. A título exemplificativo, O Pacto de São José da Costa da Rica, em seu art. 5º, 6. define que: “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.”
Além dessa normativa nacional e internacional, a própria Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) estabelece, em seu art. 1º, como objetivo “harmônica integração social do condenado e do internado”.
Na esfera política, tudo ganha outra dimensão. De um lado criticam a proibição classificando-a de punitivismo cego que prejudica a maioria absoluta dos presos com bom comportamento e que têm a chance de manter os laços visando a ressocialização no fim da pena. De outro aspecto, o argumento é de que é preciso manter apenados isolados para oferecer proteção à sociedade e evitar a repetição de crimes e o sofrimento de vítimas e seus parentes.
De certa forma, a tendência é de que o veto presidencial seja derrubado e que, na sequência, o governo recorra ao Supremo Tribunal Federal.
Do ponto de vista da sociedade civil, que espera eficácia das políticas públicas, fica a sensação de que os dois lados jogam para torcidas e não estão dispostos a buscar uma saída consensual que faça a legislação penal avançar. Se o anseio que move os críticos das saídas temporárias é real e legítimo, o que de fato é, por que não elaborar e propor alternativas que preservem a possibilidade de ressocialização e manutenção de vínculos familiares de presos que em algum momento terão de voltar ao convívio social? Se do outro lado, a proibição da saidinha é inconstitucional, argumento realmente relevante, por que não demonstrar comprometimento e protagonismo em dar conta ao clamor da sociedade propondo outras políticas de segurança e/ou ressocialização?
De qualquer forma, é fácil seguir o jogo conhecido, no qual a disputa está em quem grita mais alto e apenas aos seus ouvintes de sempre. O restante da população segue aguardando um debate mais profundo e técnico sobre a segurança pública brasileira.