Por Thais Zenaide Scaravonato de Oliveira
Não é surpresa que estamos vivenciando um dos períodos mais críticos da história moderna. A instabilidade política e a crise financeira — segundo dados do IBGE, a inflação acumulada de 2021 chegou a 10,06% — decorrente dos impactos devastadores da pandemia do coronavírus — que, além de uma emergência sanitária, ocasionou uma retração econômica sem precedentes –, gerou uma inadimplência fiscal nunca antes vista.
Em meio a esse cenário caótico, os empresários impactados pela pandemia clamam aos governantes por medidas que facilitem o pagamento de suas dívidas tributárias, possibilitando, assim, a tão desejada regularidade fiscal.
E, neste início de ano, muito se comenta sobre o veto do Presidente Jair Bolsonaro ao REFIS do Simples Nacional. Mas quais são, de fato, os impactos da decisão do chefe do Poder Executivo?
O Projeto de Lei Complementar n° 46/2021, de autoria do Senador Jorginho Mello (PL/SC), criaria o Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (RELP), destinado a todas as empresas optantes do regime, inclusive aquelas em recuperação judicial.
O enfoque, acertadamente, era criar um novo programa de refinanciamento de dívidas das micro e pequenas empresas, englobando débitos constituídos ou não, com exigibilidade suspensa ou não, parcelados ou não, e inscritos ou não em Dívida Ativa da União Federal. Também seriam contemplados os débitos anteriormente parcelados em outros programas ou já executados, beneficiando, assim, um dos setores mais afetados pela pandemia, que, segundo estimativas, acumula uma dívida de R$ 50 bilhões.
É sabido que a capacidade de pagamento dos tributos devidos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) está comprometida. Essas empresas estavam contando com os benefícios supracitados do RELP.
O impacto do veto, portanto, é extremamente negativo. Segundo dados fornecidos pelo Sebrae, 350 mil micro e pequenas empresas estão inadimplentes e, sem que exista uma alternativa viável de negociação, poderão ser excluídas do Simples Nacional, por consequência, compelidas a aderir a outro regime tributário muito menos vantajoso, o que pode significar, em muitos casos, a inviabilidade da atividade.
Diante da repercussão negativa do veto, o Governo Federal, por meio da Portaria PGFN/ME nº 214/2022, apresentou dois novos programas fiscais: Programa de Regularização do Simples Nacional e Transação do Contencioso de Pequeno Valor do Simples Nacional. O primeiro permite que empresas optantes do regime obtenham descontos e parcelamentos às suas dívidas. A entrada pode ser de 1% do valor total, dividido em até 8 meses. O saldo de valores poderá ser parcelado em até 137 meses com desconto de até 100% de juros, das multas e dos encargos legais.
Já o edital do segundo permite ao empresário dar uma entrada de 1% do valor a ser paga em três parcelas. O restante poderá ser fracionado em 9, 27, 47 ou 57 meses, com descontos de 50%, 45%, 40% e 35%, respectivamente. Quanto menor o prazo, maior o abatimento no valor total da dívida.
Essas modalidades de Transação Tributária, com o devido acato e respeito, são medidas paliativas, uma vez que englobam apenas débitos inscritos em Dívida Ativa, ou seja, os débitos ainda existentes no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) não estão incluídos.
Para deixar mais claro o que isso significa: se uma empresa — a fim de obter a certidão de regularidade fiscal — se comprometer com o pagamento de tais negociações na esfera da PGFN e entender que não é vantajosa financeiramente a negociação via Parcelamento Ordinário no âmbito da Receita Federal dos débitos não inscritos em Dívida Ativa, em pouco tempo, com a inscrição em Dívida Ativa desses débitos remanescentes — que passarão a ser de responsabilidade da PGFN — perderá a certidão de regularidade fiscal.
Não seria, então, muito mais relevante um programa de negociação amplo, que englobasse todos os débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, com isenção total do pagamento de multa e juros e que, certamente, com a alta adesão, ocasionaria um pico de liquidez tributária?
É preciso deixar a denominada politicagem de lado e olhar com mais cuidado para quem deixou este país de pé durante a pandemia. O empresariado nacional, especificamente as empresas submetidas ao Simples Nacional, necessita de apoio governamental (sobretudo neste momento em que se discute novas medidas de restrição de circulação para contenção do contágio pela variante ômicron). E, existindo empecilhos legais para a aprovação do PL nº 46/2021 — como se viu pelas justificativas contidas no veto presidencial –, é de rigor a divulgação de medidas tão amplas quanto o RELP pelo Governo Federal, caso contrário o efeito será devastador.