A tecnologia alterou os hábitos de compra e venda em todo o mundo e, com a crise sanitária, a questão ganhou ainda mais fôlego com as compras sendo feitas cada vez mais pela internet e por meio de aplicativos que facilitaram a vida das pessoas em meio a um novo cenário que exigiu isolamento e fechamento do comércio.
O que muita gente ainda não sabe é que, também na relação comercial online, as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se mantêm ativas. “O CDC é de 1990, mas o cenário mudou muito de lá para cá. Sendo assim, apesar de o Código não tratar explicitamente sobre compras pela internet, golpes e responsabilidades no mundo digital, ele permite a aplicação por meio de analogias e entendimentos doutrinários”, esclarece Cinthya Imano, advogada de Direito do Consumidor do Almeida Prado & Hoffmann Advogados Associados.
Segundo ela, para reforçar a tese de que o digital não é uma terra sem lei, foram feitas adequações ao CDC como, por exemplo, o Decreto 7.962 de 15 de março de 2013, que dispõe especificamente sobre o comércio eletrônico e as informações e ofertas que são veiculadas, o que, na prática, traz mais segurança aos consumidores e complementa o Código. Somando a este, tem o Decreto 10.271 de 06 de março de 2020, que complementa e regula as relações on line. “Veja, há regras a serem estabelecidas nesta relação. O fornecedor, por exemplo, tem a obrigação de informar sobre o parcelamento (se é acrescido de juros e correção ou não), a data de entrega e se na cidade de São Paulo, observar a Lei 13.737/2013, que determina que o fornecedor deve fixar data e turno para entrega (manhã, tarde ou noite), valores de frete e o consumidor deve estar atento se essas informações estão claras no site”, explica.
De acordo com a especialista se, por um lado, o empreendedor deve ficar atento ao que dispõe o CDC e os Decretos complementares sobre comércio eletrônico, assim como deve deixar todas as informações de contato visíveis e facilitadas para o consumidor e ter o cuidado em como vai informar sobre valores, ofertas, prazos e entregas, para que elas estejam bem visíveis, legíveis e que o consumidor as perceba sem dúvidas, por outro, cabe ao consumidor assumir certos cuidados. “Acima de tudo, tem de se certificar de que está em um site seguro, correto e não salvar os dados do cartão para compras futuras, principalmente se faz as compras pelo celular”, diz.
Segundo Caroline Leite Barreto Dinucci, advogada do Barreto Dinucci Advocacia, o isolamento social advindo da pandemia trouxe um novo fôlego às empresas que migraram para o ambiente virtual para continuar vendendo, mas nem todas se atentaram aos cuidados devidos. Uma compra e venda, independentemente do ambiente em que ocorre (físico ou virtual) é um contrato e este contrato tem regras mínimas. Para compras feitas pela internet, existem e há pontos que devem ser lembrados e acatados. Por exemplo, em uma compra realizada presencialmente temos a oportunidade de ver o produto, manuseá-lo, ler as suas instruções (rótulo, etiqueta etc.) e, dependendo do tipo de produto – como uma roupa – é possível experimentar. O mesmo a princípio não acontece no digital, o que torna a experiência de compra no mínimo distinta.
Sendo assim, é preciso lembrar que o consumidor tem o direito de arrependimento, previsto no CDC, que nada mais é do que dar ao consumidor um prazo – de sete dias após a compra – para refletir sobre a compra, de se arrepender e devolver o produto, sem a necessidade de apresentar qualquer justificativa para tanto”. O fornecedor deve viabilizar o exercício desse direito, explicando no site o que deve ser feito.
A advogada explica ainda que para evitar ou reduzir a incidência de casos de arrependimento, o fornecedor deve procurar propiciar uma experiência de compra tão similar quanto possível a de uma compra em ambiente físico. Isto é, atentar aos detalhes, dando o máximo de informação sobre o produto, suas características, medidas, composição, origem, pois em grande parte dos casos o consumidor se arrepende da compra porque a expectativa e realidade não estavam alinhadas. Ela complementa: “quando há o desejo de devolução, uma preocupação extra que deve estar contemplada pelo empresário online refere-se à logística reversa, ou seja, os procedimentos de devolução do produto ou serviço. Se o comprador se arrepender da compra, entende-se que é uma obrigação das empresas garantir a devolução daquele produto sem nenhum custo para tal ação”, conclui.
Vale frisar, por fim, que no período considerado mais agudo da pandemia, o direito de arrependimento foi suspenso em relação à entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos, conforme Lei nº 14.010 de 2020. Todavia, a suspensão desse direito teve prazo para durar, até 30 de outubro de 2020, de modo que se recomenda que todo empresário do ambiente virtual faça o exercício de analisar se o seu e-commerce viabiliza que consumidores exerçam os seus direitos, inclusive o direito de arrependimento.