Por Sofia Gancedo
Na tentativa de explicar a enxurrada de mudanças que vivemos no último ano e meio, um dos conceitos mais citados foi o de “transformação digital”. Existe, creio eu, um termo mais adequado para entender o que estamos passando. A palavra é revolução, entendida como uma mudança abrupta na ordem das coisas. Destaco duas palavras essenciais nesse processo: educação e regulação.
Seguindo essa lógica, a transformação digital é uma etapa da pós-revolução. Primeiro, uma mudança é acionada – a pandemia e o isolamento social preventivo de pessoas – e então os hábitos e comportamentos começam a mudar. É uma metamorfose progressiva, geralmente caótica, com alguns avanços ocorrendo mais rápido do que outros. Por exemplo, o home office ou o ensino doméstico rapidamente se tornaram um hábito adquirido e obrigatório na maior parte do mundo. Já os investimentos financeiros digitais ainda enfrentam desafios complexos e estão longe de sua fase de maturidade em termos de adoção pela empresa.
Investimentos
Essa diferença nas velocidades tem uma explicação simples. Alocar a poupança para um investimento que dará retorno no médio ou longo prazo é um ato que exige muita confiança do investidor. Precisamos de certeza e transparência, mas, acima de tudo, confiar que a operação terá certas garantias. O que está acontecendo, para citar um caso, com as criptomoedas? Há alguns anos, elas não eram mais do que um instrumento marginal para libertários e tecno-viciados que sonhavam com uma moeda fora do alcance dos Estados (precisamente por causa da desconfiança das pessoas no sistema). O paradoxo das críticas é que, por um lado, têm uma atratividade baseada na falta de regulamentação, mas, por outro, são um instrumento volátil e incerto porque carecem de um arcabouço legal para protegê-los.
De acordo com dados da Bloomberg, o Bitcoin cresceu continuamente no primeiro semestre de 2021, mas teve uma queda acentuada a partir de maio e fechou com uma alta semestral de 18%. Em relação aos anos anteriores, o crescimento é baixo. Os tweets enigmáticos de Elon Musk e os bloqueios da China ajudaram a alimentar essa desconfiança e explicaram em parte a tendência de queda.
Um outro exemplo
O caso do crowdfunding imobiliário é outro exemplo de como a tecnologia avança rapidamente e as regulamentações estão ficando para trás, em um ritmo mais lento. Enquanto o Brasil tem uma lei desde 2018 para dar um ambiente jurídico a este tipo de instrumentos, a Argentina e outros países latino-americanos ficam para trás, com passos incipientes e sem contatar uma infraestrutura financeira que acompanhe esses avanços. O resultado prejudica principalmente as pessoas comuns que buscam proteger o valor de suas economias em um continente caracterizado por moedas voláteis e fraca macroeconomia. Hoje um cidadão pode investir com rapidez e segurança em imóveis em qualquer lugar do mundo, sem sair de casa, mas também precisa do Estado para viabilizar um canal legal para que isso aconteça.
Educação e regulação
Há também outra lacuna em uma área muito sensível: a educação financeira. Porque enquanto os investimentos digitais aumentam sua complexidade conforme a tecnologia se desenvolve, muitas pessoas são deixadas de fora do sistema, não apenas porque os governos não aceleram as regulamentações para que diferentes empresas operem dentro das normas da lei e as pessoas são incentivadas a investir, mas porque os países como o Brasil e Argentina, por exemplo, estão cercados por problemas mais urgentes, como pobreza estrutural e constantes crises econômicas. Se somarmos a isso a brecha no acesso à tecnologia, o cenário só tende a ser ainda mais desafiador.
Nesse contexto, estamos passando da revolução à transformação, e nós, que atuamos no setor financeiro, temos um papel incontornável de educar e acompanhar quem quer ousar investir digitalmente de forma segura e transparente, além de explicar essas mudanças que para muitos podem ser esmagadoras. Assim como no começo do texto, volto a destacar a educação e regulação como elementos fundamentais.
A propósito deste último ponto, gostaria de encerrar com uma frase de Warren Buffet: “nunca invista em negócios que você não consegue entender”.
*Sofia Gancedo é co-fundadora e COO da Bricksave, formada em Administração de Empresas pela Universidad de San Andrés e possui mestrado em Economia pela Eseade
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