*Por Aline Vasconcelos Advocacia
1. Introdução: quando o plano de saúde nega o essencial
É comum, infelizmente, que operadoras de saúde neguem cobertura de home care, mesmo quando indicado por médicos como alternativa mais segura à internação hospitalar.
Foi exatamente o que aconteceu com uma idosa de 89 anos, diagnosticada com Alzheimer em fase avançada, totalmente acamada e dependente de terceiros para todas as atividades básicas da vida diária.
A negativa da operadora foi judicializada e a Justiça determinou que o plano fornecesse imediatamente tratamento domiciliar com equipe completa, reconhecendo como abusiva a exclusão contratual para internação domiciliar, ainda que o contrato fosse anterior à Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98).
O juízo da 2ª Vara Cível de Unaí/MG, nos autos do processo Processo nº 5006929-12.2024.8.13.0704, acolheu o agravamento clínico da paciente como fato novo (art. 493 do CPC) e ampliou a tutela de urgência, determinando o fornecimento de:
- Técnica de enfermagem 24h por dia, todos os dias da semana;
- Sessões diárias de fisioterapia e fonoaudiologia motora;
- Visitas quinzenais do médico clínico geral;
- Avaliação de enfermagem semanal.
Também majorou a multa por descumprimento para R$ 1.000,00 por dia, limitada a R$ 50 mil, para garantir efetividade da decisão.
Essa decisão serve de referência para milhares de famílias que enfrentam a mesma situação. Mostra que o Judiciário está sensível às necessidades reais dos pacientes e disposto a garantir o direito à saúde com dignidade.
2. O que é home care e quando ele deve ser custeado pelo plano de saúde?
Home care, ou atenção domiciliar, é um modelo de assistência em saúde prestado no domicílio do paciente, com o objetivo de dar continuidade ao tratamento médico de forma segura, humanizada e, muitas vezes, mais econômica que a internação hospitalar. Pode envolver diversos níveis de complexidade, desde cuidados paliativos até atendimento intensivo.
Há uma diferença técnica importante:
- Atenção domiciliar simples: visitas periódicas para suporte;
- Assistência domiciliar: acompanhamento multidisciplinar com suporte contínuo;
- Internação domiciliar (home care): substitui a internação hospitalar, exigindo equipe fixa e estrutura 24h.
O fornecimento de home care deve ser garantido pelo plano de saúde quando:
- A doença está coberta pelo contrato (ex: Alzheimer);
- Há prescrição médica expressa;
- O tratamento substitui internação hospitalar ou evita agravamentos;
- A negativa se baseia apenas em cláusula restritiva.
A jurisprudência do STJ é unânime em reconhecer que, havendo indicação clínica, a recusa de cobertura pelo plano é abusiva — mesmo quando o contrato não menciona expressamente o serviço.
Nesse caso, prevalece a indicação médica e os princípios da boa-fé, dignidade da pessoa humana e proteção do consumidor.
3. Fundamentos jurídicos da decisão e legislação aplicada
A decisão judicial se baseou em:
- Código de Defesa do Consumidor (CDC): cláusulas devem ser interpretadas da forma mais favorável ao consumidor (art. 47); são nulas aquelas que colocam o consumidor em desvantagem excessiva (art. 51, IV);
- Lei nº 9.656/98 ( Lei dos Planos de Saúde): a assistência deve compreender prevenção, recuperação e reabilitação da saúde (art. 35-F);
- Constituição Federal (art. 6º e art. 196): direito à saúde como direito social e dever do Estado e da sociedade;
- Súmula 608 do STJ: aplica-se o CDC aos contratos de plano de saúde, salvo nos casos de autogestão;
- Precedentes do STJ: cláusulas que vedam home care são abusivas, pois impedem o melhor tratamento para preservar a vida do paciente.
O art. 13 da RN 465/21 da ANS determina que, caso a operadora ofereça a internação domiciliar em substituição à hospitalar, deve obedecer às exigências previstas nos normativos vigentes da Anvisa e nas alíneas c, d, e e g do inciso II do art. 12 da lei 9.656/1998.
O Parágrafo único desse artigo reforça que, nos casos em que a atenção domiciliar não substitui a internação hospitalar, deve haver previsão contratual ou negociação entre as partes.
A RDC 11/06 da Anvisa também define regras para os serviços de atenção domiciliar, garantindo que o atendimento domiciliar cumpra critérios de segurança e qualidade no cuidado ao paciente.
Art. 3º: Define “Atenção Domiciliar” como um termo genérico que envolve ações de promoção à saúde, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação desenvolvidas em domicílio.
Art. 4º: Estabelece que os serviços de atenção domiciliar devem garantir a continuidade da assistência, conforme as necessidades do paciente.
Embora essa RDC não obrigue os planos de saúde a cobrirem o home care, estabelece padrões de qualidade para os serviços domiciliares.
O parecer técnico 05/GCITS/GGRAS/DIPRO/2024 da ANS esclarece que se a operadora oferecer a internação domiciliar em substituição a internação hospitalar, com ou sem previsão contratual, dever obedecer às exigências previstas nos normativos vigentes da Anvisa, bem como garantir todas as coberturas previstas para internação hospitalar só que em casa.
Diante do exposto, embora não haja uma determinação legal específica que obrigue os planos de saúde a cobrirem o home care, a combinação das normas acima e a interpretação jurisprudencial indicam que, havendo indicação médica e necessidade de continuidade do tratamento, a cobertura deve ser garantida.
4. O que fazer diante da recusa do plano de saúde?
Se o seu plano de saúde negou a cobertura do home care, siga os seguintes passos:
- Solicitação formal: Peça ao médico um relatório detalhado justificando a necessidade do home care e envie a solicitação por escrito ao plano de saúde.
- Resposta por escrito: Exija que a operadora forneça a negativa por escrito, conforme previsto pela ANS.
- Reclamação na ANS: Registre uma denúncia na ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar pelo site ou telefone.
- Ação judicial: Caso a negativa persista, busque um advogado especialista em direito à saúde para ingressar com uma ação judicial. O pedido pode incluir liminar para obtenção imediata do serviço.
5. Modelo de relatório médico para pedidos de home care
Um dos principais obstáculos enfrentados pelos pacientes é a ausência de um relatório médico claro e completo.
Por isso, compartilho um modelo que serve de orientação para ajudar médicos e familiares no momento de solicitar o home care ao plano de saúde:
MODELO DE RELATÓRIO MÉDICO PARA HOME CARE
Paciente: [Nome completo]
Data de nascimento: [dd/mm/aaaa]
CID: [ex: G30 – Doença de Alzheimer]
Diagnóstico: Paciente em estágio avançado de [doença], com comprometimento motor e cognitivo grave. Apresenta [ex: rigidez dos membros, disfagia, acamamento, risco de broncoaspiração].
Evolução clínica: Progressão da doença com perda funcional completa, impossibilidade de deambulação, dependência total para alimentação, higiene e locomoção.
Justificativa para home care:
Em razão da condição clínica e para evitar riscos de infecção hospitalar e descompensações, recomendo internação domiciliar (home care), com suporte multiprofissional.
Necessita de: Técnica de enfermagem 24h/dia, Fisioterapia motora diária, Fonoaudiologia diária,Visitas quinzenais do clínico geral, Avaliação de enfermagem semanal
Prognóstico: Necessita de cuidados contínuos. O tratamento em domicílio garante maior segurança, conforto e qualidade de vida.
Responsável técnico: Dr (a). [Nome do médico (a)], CRM: [UF – número], [Carimbo e assinatura]
Além disso, como instrumentos auxiliares, é importante que o profissional preencha as tabelas NEAD e ABEMID.
6. Conclusão: seus direitos não podem ser negados
A negativa de home care configura violação direta aos direitos à saúde e à dignidade da pessoa humana.
O tratamento indicado por profissional de saúde deve prevalecer sobre cláusulas contratuais restritivas e interesses financeiros da operadora.
O Judiciário está atento, mas o primeiro passo ainda é do paciente e de sua família: reunir provas, buscar orientação jurídica e agir rapidamente.
Não aceite a recusa sem lutar: muitas vezes, é exatamente essa resistência que garante vida digna, cuidado humanizado e respeito à sua história.
Caso reste alguma dúvida, nós, do escritório Aline Vasconcelos Advocacia estamos à sua disposição para saná-las, por meio dos canais de atendimento:
Fonte: Aline Vasconcelos Advocacia