Se houve violência doméstica, não há guarda compartilhada
A Lei nº 14.713/2023, que altera o Código Civil e o Código de Processo Civil para estabelecer que o risco de violência doméstica ou familiar é causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, foi sancionada na última semana de outubro e determina que o juiz deva ouvir previamente a fixação do regime, o membro do Ministério Público e as partes sobre situações de violência doméstica ou familiar que envolvam os genitores ou os filhos.
A Lei nº 14.713/2023, que altera o Código Civil e o Código de Processo Civil para estabelecer que o risco de violência doméstica ou familiar é causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, foi sancionada na última semana de outubro e determina que o juiz deva ouvir previamente a fixação do regime, o membro do Ministério Público e as partes sobre situações de violência doméstica ou familiar que envolvam os genitores ou os filhos.
A alteração é vista como um avanço pela luta contra a violência doméstica e familiar de gênero. Isso porque, até então, o estabelecimento da guarda compartilhada era tido como regra, e a exceção se dava nos casos em que os próprios genitores concordavam com a fixação da guarda unilateral em favor de um deles. O regime da guarda compartilhada era fixado automaticamente pelos juízes caso não houvesse tal acordo entre os genitores.
Contudo, tal entendimento é extremamente danoso às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, visto que o compartilhamento da guarda tende a expor a vítima ao contato contínuo com o agressor.
Com a entrada em vigor da lei, quando não houver esse acordo entre os genitores, a guarda compartilhada não será concedida se “um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”, conforme traz a alteração no Código Civil.
Não são raras às vezes em que os agressores se utilizam de visitas como meio de manipulação, intimidação e ameaça às vítimas, além de gerar altos riscos de novas agressões. Esta situação tende a causar abalos ainda mais significativos à saúde física e mental das mulheres vitimadas pela violência doméstica, visto que a obrigação de contato contínuo com seu agressor pode ser extremamente estressante, causando ansiedade e medo.
Ao estabelecer o regime de guarda, deve-se prezar sempre e primordialmente pelo melhor interesse da criança e/ou do adolescente, o que não seria atingido nos casos em que se estabelece a guarda compartilhada entre os genitores quando um deles comete violência contra o outro, pois a exposição do menor à violência, mesmo que de forma indireta, é prejudicial e tende a afetar seu pleno desenvolvimento. A ampla e irrestrita proteção assegurada às crianças e adolescentes estaria ameaçada com o convívio compartilhado entre os genitores nesses casos.
As alterações trazidas pela lei reconhecem as complexidades e particularidades dos casos concretos, sinalizando ao judiciário a necessidade de se ter um olhar mais cauteloso ao lidar com situações do âmbito familiar, em especial aqueles que envolvem violência doméstica e familiar. Ou seja, ao reforçar a necessidade de considerar os contextos específicos de violência, a lei garante que as decisões judiciais estejam alinhadas com a proteção e segurança das vítimas e de seus filhos.
É imprescindível que o Poder Judiciário esteja atento a essas questões sensíveis que podem aparecer no processo, mesmo quando não trata especificamente de violência doméstica, a fim de evitar que novas agressões venham a ocorrer e para salvaguardar os melhores interesses da criança e do adolescente.
- Dra. Anelise Borguezi – Pós Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo e sócia do Borguezi e Vendramini, Advocacia para Mulheres e Minorias