Por David Damasio de Moura e Silvania Tognetti
A Receita Federal do Brasil (RFB) emitiu o Parecer COSIT nº 10 de 01 de julho de 2021, aprovado em 13 de agosto de 2021, pelo Coordenador-Geral de Tributação, em que defende uma interpretação extensiva do quanto foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que os valores de ICMS fossem excluídos do cálculo dos créditos de PIS e COFINS obtidos nas compras de mercadorias pelos contribuintes no regime não cumulativo.
O STF encerrou uma discussão de longa data ao julgar os Embargos de Declaração da União, em junho de 2021, nos autos do Recurso Extraordinário nº 574.706 (Tema 69 de Repercussão Geral) que fixou a tese de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”, modulando os efeitos da decisão e decidindo, por fim, que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado na nota fiscal.
Importante frisar que o objeto da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo STF foi a exclusão do ICMS do conceito de receita que é a base de cálculo prevista na legislação do PIS e da COFINS.
O que se decidiu é que o ICMS destacado na nota fiscal não pode ser considerado receita bruta por não representar acréscimo patrimonial do contribuinte. Apesar de compor o valor recebido, este não fica com o contribuinte porque tal valor é repassado ao Estado.
Não foi objeto da discussão a sistemática da não cumulatividade do PIS e da COFINS, tampouco a composição dos créditos dos referidos tributos. Não por falta de tentativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que pretendeu no âmbito dos Embargos de Declaração em comento, estender o alcance da decisão de forma a aplicar exclusão dos tributos sobre todas as operações, o que parece ser a tentativa da RFB com o Parecer COSIT nº 10.
Ocorre que, na ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração, a Ministra Relatora, Carmén Lúcia de forma muito clara e assertiva afastou essa possibilidade de discutir todo o sistema tributário, quando o tema em julgamento era o ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (“…tema posto à apreciação neste julgamento, limitado à análise da base de cálculo do PIS/COFINS.”).
Mesmo após toda essa discussão que se arrastou por mais de uma década, no entendimento da RFB contido no parecer mencionado, se fosse permitida a manutenção do ICMS na base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS sobre as aquisições de bens, haveria um desvirtuamento da não cumulatividade do PIS e da COFINS, de forma que provocaria um duplo benefício aos contribuintes. Entretanto, a não cumulatividade do PIS e da COFINS não exige uma relação entre o crédito de um contribuinte ao que foi recolhido anteriormente por outro contribuinte na cadeia produtiva. Os créditos são apurados aplicando-se a alíquota da não cumulatividade sobre as aquisições. Sob a perspectiva de quem adquire a mercadoria para revenda, o ICMS compôs efetivamente o valor pago pela mercadoria. A RFB, utilizando o princípio da razoabilidade tenta justificar a sua interpretação, enquanto desrespeita diretamente a legalidade a que está submetida.
Tal posicionamento sobre o tema, provoca uma nova controvérsia entre fisco e contribuintes, que já estavam por encerrar esta discussão. Além de gerar insegurança jurídica, já que, a restrição do crédito a compensar somente pode ocorrer por alteração da legislação e não por mero exercício interpretativo da RFB. Não se trata, frise-se, de razoabilidade, conforme pretende o parecer, e sim de legalidade.
Em que pese ser um posicionamento inadequado da RFB, trata-se de entendimento formalizado em parecer normativo, de forma que poderá ser aplicado pela fiscalização.
Esperamos que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, indagada a se manifestar acerca do parecer para corroborar ou corrigi-lo, o faça nos termos do que foi decidido pelo STF em respeito ao princípio da legalidade e da segurança jurídica.