Por Felipe Granito
Buscando garantir a satisfação de um crédito e o princípio da celeridade processual, o Conselho Nacional de Justiça e o Banco Central lançaram, no último ano, o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD) em substituição ao antigo BacenJud.
Entre as inovações está a “teimosinha”, ferramenta que permite a busca automática de ativos nas contas do devedor de forma contínua por 30 dias seguidos ou por tempo indeterminado, conforme algumas decisões recentes. Pelo sistema anterior, a ordem de rastreamento de bens valia por 24 horas.
A utilização da ferramenta, no entanto, se mostra totalmente abusiva e inconstitucional, uma vez que viola diversos dispositivos do Código de Processo Civil (CPC), bem como, e especialmente, a preservação da dignidade da pessoa humana do devedor.
O CPC, para os processos de execução, contém dispositivos que visam proteger o credor, garantindo a satisfação do crédito e a duração razoável do processo. Porém, há premissas constitucionais que devem ser observadas em prol de ambas as partes.
Objetivando o cuidado com o devedor, temos o princípio da menor onerosidade da execução, que rege que tal ação deve se dar pela forma menos onerosa ao executado, o qual deve ser considerado em conjunto com outros princípios, como os da utilidade, da limitação e da dignidade humana, concluindo-se que o processo de execução tem por única finalidade a satisfação do direito do credor.
Assim, a satisfação do crédito não pode servir de justificativa para a ofensa dos princípios que regem as execuções, pois o devedor, sendo pessoa física, precisa ter sua dignidade respeitada diante do valor devido. Tem-se observado, assim, que essa ferramenta impede que o devedor tenha qualquer controle sobre suas finanças, podendo-lhe causar sérios prejuízos.
Lembra-se que o Código de Processo Civil prevê regras de impenhorabilidade de bens e valores, tendo atribuído ao juiz o dever de determinar o cancelamento de indisponibilidade excessiva em 24 horas, bem como apreciar a impugnação do executado no mesmo prazo. Mas como pode fazê-lo diante de um sistema que roda diariamente com protocolos e respostas diversos?
A utilização da “teimosinha” mostra, ainda, um risco imensurável em todas as áreas do Direito. Isso porque é necessário levar em consideração que o Poder Judiciário não possui estrutura e servidores disponíveis para acompanhar e controlar os bloqueios que ocorrerem, violando a menor onerosidade da execução.
A regra da impenhorabilidade visa a manutenção da subsistência básica do devedor e de sua família, respeitando a dignidade da pessoa humana. Observa-se que o percentual de brasileiros que não possui conta é de 29% da população, segundo o site Valor Investe. Atualmente, os níveis de transações bancárias on-line têm aumentado, e a aplicação da “teimosinha”, seja por 30 dias ou por tempo indeterminado, traz um risco inimaginável para o devedor, uma vez que todo o numerário que tiver para receber ficará constrito na conta judicial.
Importante ressaltar que, quanto às pessoas jurídicas, a medida se mostra demasiadamente prejudicial, uma vez que todo o faturamento da empresa será bloqueado, impedindo a manutenção da sua atividade, uma vez que não conseguirá pagar seus funcionários, impostos e demais credores, priorizando um credor em detrimento das outras diversas obrigações empresariais.
Do mesmo modo, frisa-se que a ausência de imediata intervenção judicial em um cenário de indisponibilidade de ativos pode caracterizar Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019). Fora essas questões, uma melhor fiscalização implicaria na remoção de servidores públicos contratados exclusivamente para essa finalidade, situação que foge totalmente à realidade fática dos tribunais.
Corroborando a abusividade que a ferramenta apresenta, o juiz federal Luciano Andraschko, da 5ª Vara Federal de Joinville (SC), no processo 5005984-89.2019.4.04.7201, negou o pedido feito pela União Federal sob o argumento de que a busca reiterada de valores geraria um protocolo para cada dia que, ao final, deveria ser lido e juntado aos autos individualmente, bem como compilado com os demais resultados dos dias anteriores, tornando sua operacionalização tão demorada quanto uma busca individual por dia de reiteração, além de correr o risco de um débito cobrado de maneira ilegal ser constrito por dias, prejudicando a parte executada.
Assim, diante das violações dos princípios e garantias constitucionais do devedor, a “teimosinha” deve ser revista, pois seu uso de maneira banal pelos exequentes, confirmada pelo deferimento da medida pelos magistrados, acaba por gerar danos irreparáveis para os devedores fragilizados economicamente.