Por Paulo Sérgio João
Desde que foi reconhecido como ramo do Direito, o Direito do Trabalho vive em conflito com o seu tempo, adaptando-se às transformações da economia, dos novos meios de produção e de prestação de serviços. Funciona quase como um jazz, improviso, adaptação, variação de tema, mas sem perder o foco no tema, melodia e harmonia, e, do individual ao coletivo, carrega a preocupação de manter a sintonia com a harmonização do bem comum.
Atualmente, talvez esteja passando por um momento desafiador, e seus princípios e conceitos merecem revisão e adequação de sua principiologia.
A revolução tecnológica nos empurrou para outras dimensões trabalhistas em que o modelo taylorista da produção não se aplica mais e o modelo clássico da subordinação se dissipou em outras formas de relação de trabalho, comprometendo a aplicação dos princípios do Direito do Trabalho de forma genérica.
A propósito dos princípios do Direito do Trabalho, a reforma trabalhista de 2017, de modo expresso, introduziu no parágrafo 1º, do artigo 8º, a supressão de que os princípios de Direito do Trabalho deveriam prevalecer sobre o Direito comum, deixando sinalizar que deveria prevalecer a liberdade contratual e a autonomia da vontade.
O parágrafo único, do artigo 444, da CLT, introduzido pela reforma, é paradigma de que o princípio protetor recebeu novo tratamento e admite que o trabalhador possa estabelecer negociação contra disposição legal e sobre ela prevalecer.
O Supremo Tribunal Federal reafirmou a prevalência da autonomia da vontade no Tema 725 relativo à terceirização, dispondo que “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”, tese que vem sendo aplicada em reclamações constitucionais para cassar sentença trabalhista que reconhece vínculo de emprego entre pessoas jurídicas e tomador de serviços.
Significativo nessas decisões as manifestações de ministros a respeito do tema. Assim, o ministro Roberto Barroso, em explícito reconhecimento de que ser empregado é uma das formas de prestação de serviços, no julgamento da Rcl 56.285/SP (j. 6/12/2022), citado pelo ministro Alexandre de Moraes, na Reclamação 59.795 disse o seguinte:
“Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, pareceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação.”
No plano coletivo, o §3º, do artigo 8º, não deixa dúvidas de que as negociações devem observar o disposto no artigo 104 do Código Civil quanto à validade do negócio jurídico e, deste modo, preenchida essa condição, a Justiça do Trabalho, segundo o texto, balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima.
O dispositivo em apreço reafirmou a prevalência da vontade coletiva, fixando a prevalência do negociado sobre o legislado no artigo 611-A (“A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei…”), o que levou o STF à fixação da tese no Tema 1.046 nos seguintes termos: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Do que se expôs, há uma constatação de que os conceitos antigos e clássicos do Direito do Trabalho estão sendo revistos pelo STF em preocupante enfrentamento direto da jurisprudência dos tribunais trabalhistas e, portanto, o momento deve ser de reconstrução do direito do trabalho em novas bases jurídicas.
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.