Por Gerusa Del Piccolo Araújo de Oliveira e Thays da Silva Feitosa
O legislador pátrio, com o fito de proporcionar maior qualidade de vida ao trabalhador brasileiro, bem como conceder fôlego tributário às empresas que atuam em solo nacional, criou por meio da Lei nº 6.321/1976, posteriormente alterada pela Lei nº 9.532/1997, o benefício fiscal do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).
O PAT consiste em um mecanismo segundo o qual as empresas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de Imposto de Renda (IRPJ), o dobro das despesas com a alimentação de seus trabalhadores. Alimentação esta que pode ser fornecida diretamente pela empresa por meio do fornecimento de refeições ou distribuição de alimentos, bem como por meio de convênio com outras empresas fornecedoras de alimentação (incluindo as empresas que facilitam a aquisição por meio de Vale Alimentação e Vale Refeição).
As alterações realizadas no PAT pela Lei nº 9.532/1997 permitem apenas às empresas que apuram o IRPJ pelo lucro real a fruição deste benefício fiscal. Deste modo, empresas que apuram pelo lucro presumido ou arbitrado não podem se utilizar desta dedução. De igual maneira, dispõe a Lei um limite legal de até 4% deste benefício para dedução do IRPJ.
Ocorre que, em que pese que a legislação apenas preveja as duas limitações acima expostas, o Poder Executivo vem, dia após dia e ano após ano, tentando limitar ainda mais este benefício fiscal. Entretanto, pela via administrativa e sem observar o princípio da legalidade e a hierarquia de normas, extrapolando o seu poder regulamentar.
Este foi o caso da Portaria Interministerial nº 326/77, do Decreto 5/1991, dos Regulamentos do IR de 1999 e 2018 e das Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal nº 267/2002 e 1700/2017, ambos limitavam o valor de refeições individuais como condição ao gozo do incentivo fiscal ou previam outros obstáculos.
Neste sentido, com a extrapolação do poder regulamentar realizada pelo Poder Executivo, o Poder Judiciário recebeu uma avalanche de ações judiciais questionando a legalidade de tais atos infralegais no que tange à limitação de um benefício fiscal previsto em Lei.
A resposta, como já era de se esperar, foi a declaração de ilegalidade dos supracitados atos e de qualquer outro ato infralegal responsável por limitar o PAT. Tanto os Tribunais pátrios, quanto o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestaram neste sentido. A este respeito, cite-se: Recurso de Apelação nº 5028120-83.2017.4.03.6100 julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região; AgRg no AREsp 639850 e REsp: 1662728, ambos julgados pelo STJ; e, tantos outros julgados na mesma linha de raciocínio.
Todavia, embora os Tribunais já tenham se manifestado de maneira incisiva sobre a ilegalidade de limitação ao benefício fiscal do PAT por meio de atos administrativos/infralegais, novamente, em novembro de 2021, o Poder Executivo editou o Decreto nº 10.854/2021 trazendo novas limitações.
O Decreto supracitado, em seu artigo 186, traz nova redação ao artigo 645 do Decreto nº 9.580/2018, o qual limita a fruição do benefício fiscal a trabalhadores que recebam até 5 salários mínimos e a dedução do benefício em até 1 salário mínimo.
Trata-se, pois, de nítida inobservância ao princípio da legalidade e à hierarquia de normas. Tendo em vista que um decreto, por ser um ato administrativo e infralegal não pode, jamais, limitar aquilo que a própria Lei não limitou. Nesta perspectiva, nota-se o desrespeito do Poder Executivo para com as decisões judiciais acima expostas, bem como aos contribuintes e trabalhadores.
Por estas razões, a extrapolação do poder regulamentar conferido pela constituinte aos atos administrativos e, portanto, ao Decreto nº 10.854/2021, abre margem para nova judicialização da matéria. Uma vez que, os Tribunais já se manifestaram repetidas vezes sobre a ilegalidade de quaisquer atos infralegais que limitem o PAT sem observar o princípio da legalidade.
Sendo certo que, as únicas limitações possíveis ao benefício fiscal do Programa de Alimentação do Trabalhador são aquelas já previstas em Lei, e, por conseguinte, somente podem ser modificadas por outra Lei.