Algumas situações ocorridas nos últimos tempos demonstram como os princípios democráticos ainda não estão enraizados na sociedade brasileira. Em diferentes lugares, Deltan Dallagnol, ex-procurador e ex-deputado federal, bem como André Lajst, presidente da organização não governamental (ONG) StandWithUs Brasil, foram impedidos de falar em eventos públicos pelo fato de pessoas presentes no local discordarem do ponto de vista dos palestrantes mencionados. Tais situações, pouco comentadas no debate público, evidenciam uma degeneração na edificação democrática nacional, algo que merece uma reflexão um pouco mais detida.
A democracia é marcada pela pluralidade de visões e pela canalização dos conflitos para solução por meios não violentos. Portanto, é da natureza do ambiente democrático escutar opiniões contrárias que, eventualmente, causem desconforto no ouvinte. Imaginar que, em tal ambiente, somente será dada voz a quem pensa de modo igual a um grupo específico é absoluto contrassenso. Lamentavelmente, essa espécie de ‘censura do bem’ tem tomado corpo na sociedade brasileira, sem que haja qualquer reação mais firme contra tal fenômeno, extremamente nocivo à construção de um ambiente de livre manifestação de ideias. Imaginar que alguém (como as duas pessoas mencionadas) não tem o direito de expressar o pensamento publicamente pois uma certa coletividade sente-se incomodada é algo que vulnera qualquer concepção democrática que mereça tal qualificação.
A tentativa de impedir a fala de quem pensa diferente, como ocorreu com Dallagnol e com Lajst em duas universidades públicas brasileiras, é prova da imaturidade democrática presente no país. Sob o estranho argumento de que fariam alguma espécie de discurso de ódio ou representariam algo próximo de um suposto fascismo, os palestrantes sofreram violência em relação à liberdade de expressão. Note-se que não houve qualquer comprovação por meio jurídico (que deveria ser o canal utilizado, se fosse o caso) de que Dallagnol e Lajst vulnerariam os direitos fundamentais que compõem o arcabouço jurídico nacional. Na defesa de um suposto bem maior, os manifestantes demonstraram o espírito autoritário daqueles que tentam calar quem pensa de forma diversa, utilizando-se do falso argumento de que estão defendendo a democracia.
Como dito, tão assustador quanto a postura dos ativistas é o silêncio institucional e da sociedade. A asfixia do contraditório, tão em voga neste país por atos como os descritos, é algo visto cada vez com mais naturalidade por certa parcela da coletividade. A grande questão é a seguinte: se não houver meios democráticos para a canalização do dissenso (como deveria ocorrer com o debate público de ideias), qual será a saída para a exposição do ponto de vista? É evidente que a perspectiva é sombria, como a história é farta em exemplos. Manifestações violentas e eleição de políticos populistas que demonstram desprezo pela parcela da população que não lhe dá apoio são fenômenos frequentes na contemporaneidade.
A ideia de que a democracia pode impedir que certas opiniões (que estão no campo da legalidade) sejam expressas é uma contradição em si mesma. Em uma lista de pessoas que insistem em pensar livremente, Lajst e Dallagnol foram mais duas vítimas da preocupante restrição do direito de exprimir-se, algo que parece causar cada vez mais incômodo no país, especialmente em certos ambientes (de modo irônico, no caso deles, em universidades, as quais deveriam prezar pela liberdade de emitir opiniões e, com isso, fomentar debates com conteúdo). O resultado é que, a cada dia, os brasileiros moderados tendem a ficar mais calados, sem demonstrar o que efetivamente pensam, com receio de represálias, enquanto extremistas à esquerda e à direita no espectro político vociferam em redes sociais e em alguns eventos presenciais. Estranho país é este em que parte da população tenta calar outra parcela sob o argumento de suposta defesa de direitos. Nada mais perigoso para a democracia do que a existência daqueles que dizem ser seus (pretensos) defensores e que acreditam ser os portadores da verdade absoluta e da pureza moral.