Habeas Corpus: a mais antiga e vigorosa garantia da liberdade no Direito Penal brasileiro

Por Thiago Mendes Garcia

Introdução
Entre todas as garantias constitucionais previstas no ordenamento jurídico brasileiro, o habeas corpus ocupa posição de destaque como o mais tradicional e eficaz instrumento de tutela da liberdade individual. Sua importância transcende os limites do processo penal, constituindo-se como verdadeira expressão do respeito à dignidade da pessoa humana e ao princípio fundamental da liberdade, essência do Estado Democrático de Direito.

A presente análise busca desenvolver um estudo profundo, técnico e sistemático acerca do habeas corpus, explorando desde seus elementos estruturais até as principais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais contemporâneas, sempre com atenção à necessidade de tornar o conteúdo compreensível também ao público não especializado, sem prejuízo do rigor jurídico.

1. Origem Histórica do Habeas Corpus
A gênese do habeas corpus remonta ao ordenamento jurídico inglês, mais precisamente à consagração do writ of habeas corpus, cuja efetividade foi consolidada com o Habeas Corpus Act de 1679, como resposta aos abusos praticados pelo poder real, especialmente no que tange às prisões arbitrárias.

A expressão latina “habeas corpus ad subjiciendum” significa literalmente “que tenhas o corpo para apresentar”. A finalidade era clara: submeter o indivíduo detido à apreciação de um juiz, a fim de verificar a legalidade da prisão.

O instituto foi posteriormente incorporado ao direito norte-americano, como uma das garantias fundamentais contra detenções ilegais, influenciando constituições ao redor do mundo, incluindo a brasileira, desde a Constituição Imperial de 1824, passando pela Constituição Republicana de 1891, até a atual Constituição de 1988, que elevou o habeas corpus ao status de cláusula pétrea.

2. Fundamentação Constitucional e Infraconstitucional
O habeas corpus encontra-se expressamente consagrado no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da Republica:

“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

Além da previsão constitucional, o instituto possui regulamentação infraconstitucional nos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal, que disciplinam os aspectos procedimentais.

3. Natureza Jurídica
A natureza jurídica do habeas corpus é múltipla e complexa:

  • Ação constitucional de caráter mandamental e penal, destinada a preservar ou restaurar a liberdade de locomoção.
  • Remédio constitucional: instrumento de controle da legalidade dos atos que restringem a liberdade.
  • Garantia fundamental: direta expressão do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).

Segundo a doutrina majoritária, o habeas corpus possui natureza subjetiva, visando proteger o direito fundamental de locomoção, mas também exerce função objetiva, como instrumento de controle de legalidade e limitação do poder estatal.

4. Tipologia: Habeas Corpus Preventivo e Repressivo
4.1. Habeas Corpus Preventivo
Destinado a prevenir ameaça de coação ilegal à liberdade de locomoção. Sua concessão culmina na expedição de salvo-conduto, que assegura ao paciente a imunidade contra a prisão iminente.

Exemplo clássico: indivíduo investigado por suposto crime que corre risco de ser preso preventivamente de forma ilegal.

4.2. Habeas Corpus Repressivo
Visa cessar coação já concretizada, ou seja, prisão ou restrição efetiva à liberdade de locomoção. Caso acolhido, resulta na expedição de alvará de soltura.

Exemplo: prisão em flagrante realizada de forma ilegal ou por autoridade incompetente.

5. Hipóteses de Cabimento
O habeas corpus é cabível:

Quando houver ilegalidade ou abuso de poder que configure coação ou ameaça à liberdade de locomoção;
Frente a prisão civil ilegal, como na hipótese de prisão do devedor de alimentos em desacordo com o procedimento legal;
Contra medidas coercitivas restritivas: condução coercitiva, bloqueio de passaporte, internação forçada;
Para impugnar decisões judiciais que determinem prisões arbitrárias ou ilegais.
Não é cabível, segundo entendimento consolidado, para a proteção de direitos diversos da liberdade de locomoção, como patrimônio, honra ou imagem, exceto quando tais direitos estiverem intrinsecamente relacionados à restrição da liberdade.

6. Legitimidade Ativa
O habeas corpus possui caráter popular:

  • Qualquer pessoa pode impetrá-lo, em seu próprio nome ou em favor de terceiro (art. 654, CPP);
  • O Ministério Público possui legitimidade autônoma;
  • A Defensoria Pública frequentemente atua na proteção de vulneráveis.

Diferentemente de outras ações, o habeas corpus não exige capacidade postulatória, sendo possível, inclusive, sua formulação por leigo ou pelo próprio paciente.

No entanto, a atuação de advogado criminalista qualificado é altamente recomendável, dada a necessidade de exposição adequada dos fundamentos fáticos e jurídicos, bem como para a correta indicação da autoridade coatora.

7. Procedimento
O procedimento do habeas corpus é caracterizado pela sua celeridade, simplicidade e informalidade, em consonância com sua finalidade protetiva.

  • Pode ser formulado por petição simples, inclusive manuscrita;
  • Não há exigência de custas judiciais;
  • Concede-se a possibilidade de decisão liminar, quando constatada a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora;
  • A autoridade coatora será notificada para prestar informações;
  • Após manifestação do Ministério Público, procede-se ao julgamento.

Importante ressaltar que, nos casos urgentes, os tribunais podem decidir monocraticamente, como forma de evitar que a ilegalidade perdure até o julgamento colegiado.

8. Competência
A competência para apreciação do habeas corpus decorre da autoridade apontada como coatora:

  • Juízo hierarquicamente superior ao que praticou o ato;
  • Tribunal competente se a autoridade coatora for um magistrado de primeiro grau;
  • STJ: quando a coação provier de Tribunais ou membros do Ministério Público da União;
  • STF: quando o ato for atribuído a Tribunais Superiores, ao Congresso Nacional ou ao próprio STJ.

9. Habeas Corpus e a Defesa Técnica
Embora desnecessário, o acompanhamento do habeas corpus por advogado criminalista qualificado representa fator decisivo para sua efetividade. A correta formulação dos fundamentos jurídicos, a escolha da autoridade coatora e a apresentação de provas pré-constituídas são determinantes para a concessão da ordem.

Advogados especializados compreendem as nuances do processo penal e as exigências jurisprudenciais atuais, especialmente diante da rigorosa filtragem do habeas corpus promovida pelos Tribunais Superiores.

10. Considerações Finais
O habeas corpus constitui verdadeiro símbolo da resistência jurídica contra o arbítrio estatal, sendo instrumento de preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Sua compreensão exige não apenas domínio técnico, mas também sensibilidade para com a centralidade do direito à liberdade no contexto do Estado Democrático de Direito.

O aprofundamento das questões aqui expostas evidencia que o habeas corpus permanece como instituto vital, cuja adequada utilização é fundamental para o fortalecimento das garantias individuais e para a constante vigilância contra eventuais abusos do poder punitivo estatal.

*THIAGO MENDES GARCIA – ADVOGADO CRIMINALISTA – ESPECIALISTA EM EXECUÇÃO PENAL – 11946157292

 

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