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Por Alécio Ciaralo, sócio da CCLA Advogados
Nos últimos anos, o crowdfunding cultural tem sido uma alternativa acessível que financia projetos artísticos e culturais no Brasil. Em um país no qual o apoio estatal às atividades culturais enfrenta desafios, o financiamento coletivo tem promovido uma participação social direta. Assim, a própria comunidade e o público podem contribuir financeiramente com produções independentes.
A prática é regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) . Entretanto, projetos culturais financiados pelo público ainda estão em uma zona cinzenta quanto à tributação. Essa nova modalidade também traz à tona questões importantes no campo tributário e regulatório. Clareza é um quesito importante para beneficiar criadores e investidores.
As plataformas, como Catarse e Benfeitoria, operam sob um modelo de arrecadação de fundos, sem sobretaxa, dependendo do perfil e do valor. Contudo, para os proponentes dos projetos, a tributação sobre o montante arrecadado pode incidir sobre a pessoa jurídica, ou até mesmo sobre a pessoa física.
A Receita Federal trata o crowdfunding cultural como uma atividade de prestação de serviço ou de doação, com diferentes alíquotas de tributos conforme o regime tributário da entidade arrecadadora (Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real, por exemplo). Portanto, há obrigações fiscais sobre as proposições que precisam ser cumpridas. Assim, a ausência de regulamentação específica coloca esses projetos em uma zona de risco tributário, na qual a divergência pode ocasionar penalidades severas.
Como essa vaquinha depende da confiança do público para financiar projetos, a clareza sobre a destinação dos recursos é essencial. A falta de diretrizes legais claras sobre a maneira pela qual essa prestação de contas deve ser feita gera insegurança tanto para os artistas e gestores culturais quanto para o público. A adoção de uma regulamentação clara exigiria relatórios de uso de verbas. Esta seria uma solução; assim, o público veria o resultado do seu investimento.
Proteção é outro ponto crítico a ser observado. Diferente de um patrocínio empresarial, pelo qual a empresa pode ser beneficiada por incentivos fiscais, no crowdfunding, o público lhes dá recursos próprios, movido pelo desejo de ver o projeto realizado. Nesse sentido, existe uma necessidade crescente de que haja legislação que proteja esses doadores, garantindo que o projeto arrecadado seja, de fato, entregue. Embora o Procon e a legislação de defesa do consumidor ofereçam alguma proteção, muitos casos ainda escapam do escopo dessas leis, deixando-os em uma situação vulnerável.
Além disso, as plataformas ainda não possuem normas obrigatórias para auditorias financeiras que verifiquem a veracidade das arrecadações e da destinação dos fundos. Uma regulamentação mais específica traz segurança ao mercado. Isso é essencial para a proteção do público e para a manutenção da integridade desse modelo de investimento.
É inevitável traçar um paralelo entre o crowdfunding cultural e a Lei Rouanet, principal mecanismo de incentivo à cultura no Brasil. Enquanto a Lei Rouanet permite que empresas e indivíduos destinem parte de seu imposto de renda para financiar projetos culturais, a vaquinha cultural se baseia na contribuição direta do público, sem incentivos fiscais envolvidos. Aquela oferece segurança e estrutura bem definidas para a operação, com prestação de contas obrigatória para cada etapa do projeto, sujeita à aprovação pelo Ministério da Cultura. Quanto a este, em contrapartida, essa mesma segurança jurídica e fiscalização ainda estão em desenvolvimento.
O perfil do financiador é uma diferença fundamental: na Lei Rouanet, o financiamento é atraente para empresas que desejam associar sua marca a uma causa cultural e obter benefícios fiscais, enquanto o crowdfunding é mais popular por promover doações mais baixas, sem obter um benefício fiscal. Ambos, apesar de complementares, atingem diferentes públicos, cujos incentivos são destinados à cultura. A prática reforça a importância de se discutir uma regulamentação específica cujo alicerce seja a segurança e a clareza ao angariar verbas.
É fato que ainda há um longo caminho a ser percorrido nesta seara devido à falta de regulamentação, à ausência de normas claras de prestação de contas e à proteção insuficiente aos investidores. Havendo regras que normatizem a questão, seria possível ampliar o alcance do crowdfunding, incentivando a criação de projetos culturais com a confiança de que tanto os artistas quanto os financiadores estarão juridicamente protegidos e fiscalmente amparados.
Esse modelo, que está em crescimento, torna a cultura em algo acessível e transparente. Este é um meio de o Brasil fortalecer o setor, contando com a participação ativa de indivíduos pela construção de sua identidade cultural e do desenvolvimento artístico do país.
Sobre Alécio Ciaralo
Advogado com expertise em Direito Tributário e Direito do Entretenimento. Antes de fundar a CCLA Advogados, acumulou experiência como consultor jurídico em renomados escritórios de advocacia, com foco nas áreas tributária, societária, terceiro setor e entretenimento. Atuou como Coordenador Jurídico do Comitê Agenda Política da ABAD – Associação Brasileira dos Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados. Atualmente, é consultor jurídico da Federação Paulista de Futebol, contribuindo com sua ampla vivência jurídica em projetos estratégicos e consultoria especializada.
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