“O Terceiro Setor tem suas particularidades de funcionamento, que exigem atenção para evitar problemas. Formado por organizações sem fins lucrativos que prestam serviços públicos, popularmente conhecidas por Organizações Não Governamentais, ou ONGs, este segmento tem como principal objetivo gerar impacto positivo na sociedade, através de diversas ações, porém, apesar disso, trata-se de instituições que exigem muitos cuidados”, alerta o advogado Felipe Cormarc, que desenvolveu uma cartilha com os principais pontos que o nicho deve entender.
Questões Trabalhistas
Para começar, o especialista chama a atenção para a questão trabalhista. Ou seja, a legislação que ampara o trabalhador é a mesma que direciona o direito no Terceiro Setor. O que significa que, ao efetivar as contratações, as entidades devem seguir as normas como qualquer outra organização que contrata e respeita as normas trabalhistas. Cormarc conta que o cuidado, de maneira específica, deve estar direcionado aos que chegam com proposta de serviço voluntário, estagiários e colaboradores diretos. “Há o serviço voluntário que a Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, considera a atividade não remunerada prestada por pessoa física à entidade pública de qualquer natureza ou à instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. Portanto, a lei expressa que não há vínculo empregatício, tão pouco obrigações trabalhistas previdenciárias”, diz.
O advogado ressalta, porém, que a legislação trabalhista não muda, pois o propósito dela é proteger todos os trabalhadores, inclusive os que prestam serviços para o segmento. “Sendo assim, há obrigações trabalhistas e previdenciárias na contratação de pessoas remuneradas seja por tempo determinado, que é indicado quando a pessoa deixará de prestar seus serviços para a organização; ou por tempo indeterminado, em que não há um prazo de término do acordo”, esclarece.
LGPD
A mesma coisa se dá com relação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD”, Lei 13.709/2018, que entrou em vigor em 18.09.2020, a partir da sanção, pelo Presidente Jair Bolsonaro, da Lei nº 14.058/2020, que exige que as empresas adequem as suas práticas, para que seja resguardado o direito à proteção dos dados de seus titulares. Isso significa que a temática da proteção de dados adiciona preocupação às chamadas entidades do terceiro setor, que por exercerem atividade sui generis, de cunho social, e muitas vezes com suporte financeiro da iniciativa privada, tratam grande quantidade de dados pessoais nos projetos que desenvolvem, não possuindo, contudo, o mesmo grau de disponibilidade tecnológica para evitar ataques aos seus bancos de dados.
“A LGPD não traz menção específica ao segmento, mas isso não as afasta da obrigatoriedade de atender o que a lei prevê. Ou seja, as ONGs precisam dar tratamento adequado aos dados pessoais, o que inclui alocar esforços em uma gestão eficiente quanto à proteção das informações que possui e estar atento às disposições da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)”, afirma.
Captação de recursos
Mas, para sobreviver, sabemos que o segmento, ou grande parte dele, necessita da Captação de Recursos, que podem ser por meio de contribuições voluntárias em dinheiro ou em forma de recursos que a organização necessita e são destinadas à manutenção e existência destas instituições.
De acordo com o advogado, o interessante é que esta captação pode acontecer de diferentes formas, seja com financiamento ou crowdfunding, que é uma forma de arrecadação para financiar projetos, pessoas, instituições e outros, a partir da doação financeira de pessoas físicas ou jurídicas e que geralmente é realizada por intermédio de um site; seja por meio de eventos, que são capazes de promover as atividades desenvolvidas em sua instituição e, por consequência, arrecadar recursos; seja através de notas fiscais, na qual as empresas do terceiro setor se cadastram em um dos programas Nota Fiscal de seu estado e onde as pessoas podem fazer sua doação. Mas há, ainda, alternativas, o que inclui campanhas de doação; doações individuais e, por fim, através da realização de cursos, palestras, workshops, master classes, que podem ser promovidos para arrecadar renda. “O importante é sempre primar pela transparência na captação dos recursos, com planilhas e documentos que demonstrem e comprovem entradas e saídas de receita da entidade”, alerta.
“Vale lembrar das Parcerias Público-Privadas, que são outra forma de captar dinheiro e exigem que as entidades do Terceiro Setor comprovem sua idoneidade financeira para angariar recursos”, diz. Isso significa que o segmento necessita ser 100% transparente em seu Relatório das Atividades, com demonstrações contábeis fidedignas e que comprovem que a entidade está apta a manter a isenção de impostos. Daí a necessidade de uma escrituração contábil adequada às normas contábeis.
Contabilidade
No que se refere ao tema, o advogado explica que a legislação prescreve, por exemplo, limites que devem ser adotados para a remuneração, cálculo de gratuidade, proibição de distribuição de lucros destinação do patrimônio no término das atividades, prestação de contas quando da utilização de recursos incentivados ou nas parcerias e convênios com o setor público.
“O segmento possui tributação diferenciada por englobar entidades sem fins lucrativos. Ou seja, por ser um setor mantido por meio de doações da iniciativa privada, repasse de verbas públicas e Leis de Incentivo Fiscal, a contabilidade tem um papel importante na transparência de informações financeiras para o Município, Estado e União”, sustenta.
De acordo com Felipe, o segmento se enquadra no regime de Lucro Real, imposto calculado em cima do lucro realmente apurado, e Lucro Presumido, onde os impostos são calculados com base na presunção do lucro calculada com base nas alíquotas de cada atividade. Além disso, a tributação no Terceiro Setor apresenta características específicas como alíquota de 1% sobre o total da folha de salário para o recolhimento do PIS (Programa de Integração Social) dos colaboradores; imunidade no pagamento do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) para entidades sem fins lucrativos; isenção de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); isenção do CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para responsáveis por atividades sem fins lucrativos.
“Mas não termina aí. A contabilidade para este segmento tem de cumprir obrigações acessórias. Entrega da Escrituração Contábil Fiscal, da Escrituração Contábil Digital; Cadastro Geral de Empregados e Desempregados; Declaração de Impostos Retidos na Fonte, Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais; Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social; EFD (que traz informações de apuração do Cofins, INSS e PIS); Relação Anual de Informações Sociais e, no caso das entidades com inscrição municipal e estadual é obrigatória, ainda, a emissão de notas fiscais eletrônicas ou de serviços”, finaliza.