Sérgio Pelcerman, Coordenador da Área trabalhista do Almeida Prado & Hoffmann Advogados
O trabalhador freelancer é classificado como prestador de serviços autônomo, sem vínculo empregatício com a pessoa ou empresa tomadora do serviço, o que em tese afasta a incidência dos requisitos inerentes ao vínculo empregatício regido sob a ótica da CLT.
Na relação trabalhista tradicional, mediante cumprimento dos requisitos previstos pela CLT, há um vínculo formal entre o empregador e o empregado. O empregador tem controle e direção sobre o trabalho realizado pelo empregado, que é contratado para prestar serviços mediante: (i) subordinação jurídica e econômica, ou seja, o empregado está sujeito às ordens e direções do empregador, que tem autoridade para determinar a forma e o conteúdo do trabalho, dependendo exclusivamente da prestação desse serviço para subsistência; (ii) pessoalidade, ou seja, o empregado não pode ser substituído por outra pessoa na execução das suas atividades, já que a relação é estabelecida de forma individual; (iii) habitualidade, pois o trabalho é realizado de forma regular e contínua, em um período determinado, como uma jornada de trabalho semanal e (iv) onerosidade, que é a contraprestação salarial em função do trabalho exercido, o que, gera, portanto, obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias, como o pagamento de salário, férias, décimo terceiro salário, recolhimento de encargos sociais e previdenciários.
Em contrapartida, no caso do freelancer, há uma relação de trabalho autônomo, na qual o profissional exerce a atividade de forma independente, sem subordinação direta a um empregador. O profissional autônomo é contratado para realizar determinado serviço, mas possui liberdade para organizar a forma de trabalho, sem receber ordens ou direcionamento direto do contratante.
Diferentemente da relação de emprego tradicional, o trabalho autônomo não envolve uma relação empregatícia direta. O profissional autônomo emite notas fiscais pelos serviços prestados e é responsável pelo próprio planejamento financeiro, recolhimento de impostos e contribuições previdenciárias, ou seja, não há exclusividade com a empresa tomadora de serviços.
Não existe a obrigação de pagamento ao profissional autônomo de salário fixo mensal, férias, décimo terceiro, horas extras, entre outras verbas laborais como se celetistas fossem, contudo, para que tal modalidade seja válida, há regramentos específicos para serem aplicados a cada caso concreto.
Veja-se que segundo dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada[1], o número de trabalhadores autônomos já supera os 25,4 milhões de brasileiros. Com os avanços tecnológicos e mudanças nas dinâmicas do mercado de trabalho, a tendência é que esse grupo de trabalhadores só aumente com o decorrer do tempo, e cada vez mais, profissionais no modelo freelancer se tornarão uma oportunidade valiosa para as empresas que optarem a esse tipo de modalidade de trabalho.
Diante desse cenário, contratar um freelancer/prestador de serviço autônomo pode ser negociado de diversas formas, como diretamente com o profissional, plataformas de trabalho específicas para essa classificação, agências de talentos, redes profissionais, grupos especializados, podendo-se traduzir em benefícios aos empregadores, desde que respeitados os ditames legais e não se confunda com atividades laborais empregatícias:
- Flexibilidade: Contratar freelancers oferece maior flexibilidade em relação à força de trabalho, pois as empresas podem contratá-los por projeto ou por demanda sazonal, evitando a necessidade de compromissos de longo prazo ou contratações permanentes. Isso permite que as empresas se ajustem rapidamente às flutuações na demanda e reduzam custos associados à manutenção de uma equipe fixa.
- Especialização: Freelancers muitas vezes têm habilidades especializadas em áreas específicas. Ao contratar um freelancer, a empresa pode ter acesso imediato a talentos altamente qualificados e experientes em determinado campo, sem a necessidade de investir em treinamento interno.
- Redução de custos: Contratar um freelancer pode ser mais econômico para uma empresa, pois não envolve custos fixos associados a um funcionário regular, como benefícios, impostos, espaço de escritório, equipamentos e treinamento. Além disso, os freelancers geralmente trabalham em espaços próprios, sem comparecimento na sede da empresa contratante.
- Variedade de perspectivas: Ao contratar freelancers, as empresas têm a oportunidade de trabalhar com profissionais de diferentes origens e experiências. Isso pode trazer novas ideias e abordagens para os projetos, ajudando a estimular a inovação e a criatividade dentro da organização.
- Agilidade e prazos: Os freelancers tendem a ser altamente responsivos e capazes de trabalhar em prazos apertados. Eles estão acostumados a lidar com múltiplos projetos e têm a habilidade de se adaptar rapidamente a diferentes demandas, o que pode ser vantajoso para empresas que precisam de entrega rápida e eficiente.
- Escalabilidade: Contratar freelancers permite que as empresas dimensionem sua equipe de acordo com as necessidades do projeto. Se houver um aumento na demanda, é possível contratar mais freelancers temporariamente para garantir que o trabalho seja concluído dentro do prazo.
No entanto, é importante considerar que contratar freelancers também apresenta desafios, como a necessidade de gerenciar remotamente a equipe, garantir a qualidade do trabalho entregue e estabelecer uma comunicação eficaz ao cliente. Ao contratar essa modalidade de trabalho existem riscos jurídicos a serem considerados e que devem ser observados para obstar o acúmulo de passivo trabalhista na empresa, o que nada mais decorre do cumprimento da legislação vigente:
- Vínculo empregatício: Vislumbra-se risco jurídico ao contratar freelancer decorrente da forma de atuação no dia a dia que pode gerar vínculo empregatício. Se os critérios legais para a caracterização de uma relação de emprego forem atendidos, o trabalhador autônomo pode requerer judicialmente reconhecimento como empregado, o que pode resultar na responsabilidade passiva da empresa sobre encargos e pendências trabalhistas, tributárias e previdenciárias. Inclusive, pode gerar pendencias criminais por infração as normas do direito do trabalho.
- Responsabilidade trabalhista e previdenciária: Se não forem cumpridas todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias em relação ao prestador de serviço autônomo, a empresa contratante pode ser responsabilizada por pagamentos atrasados, multas, encargos trabalhistas e contribuições previdenciárias não recolhidas.
- Direitos autorais e propriedade intelectual: Se a relação do prestador de serviço não estiver claramente definida em contrato, pode haver disputas em relação à titularidade dos direitos autorais e propriedade intelectual criados durante o trabalho realizado. É importante estabelecer acordos claros sobre a titularidade e o uso desses direitos.
- Descumprimento de obrigações contratuais: Se o prestador de serviço não cumprir suas obrigações contratuais, como atraso na entrega do trabalho ou qualidade insatisfatória, pode haver consequências legais, como rescisão contratual, restituição de valores pagos e até mesmo danos morais ou materiais.
Veja-se que para garantir uma segurança jurídica a negociação, é recomendável às empresas contratantes (i) elaborar contratos claros e bem redigidos, estabelecendo os termos, prazos, remuneração e obrigações de ambas as partes; (ii) verificar e conferir o CNPJ e se está em conformidade com as obrigações fiscais e previdenciárias, bem como se a atividade prestada está de acordo com o objeto social da empresa; (iii) realizar pagamentos de forma adequada, de acordo com a legislação e as normas contratuais. (iv) estabelecer acordos de confidencialidade para proteger informações sensíveis da empresa.
Dessa forma, em que pese se tratar de modalidade comum no dia a dia empresarial, vislumbra-se a necessidade de instituição de melhores práticas de controle para que a gestão da contratação e a forma de atuação não acarretem riscos para ambas as partes envolvidas no contrato.
[1] https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/category/mercado-de-trabalho/