Foi impossível que não se soubesse do caso. Gusttavo Lima – cantor, empresário e, agora, presidenciável (a que ponto chegamos?) – quase foi preso. Tudo por conta de uma investigação que veio a ser arquivada.
Por um lado, o arquivamento em janeiro de 2025 revela o excesso da decisão judicial de prisão em setembro de 2024.
A população em geral teve um gosto daquilo que já era de conhecimento dos especialistas: é preciso muito pouco para que se mande prender alguém no Brasil. Afinal, como algo pode ser tão grave em um momento para se revelar irrelevante menos de 6 meses depois?
Por outro lado, o caso é só um entre os que ocupam o noticiário e o Judiciário. Da regulação do mercado até a profusão de operações policiais envolvendo as bets, o que há hoje é um cenário de intensa instabilidade.
Essa instabilidade tem várias facetas que merecem reflexões autônomas. Aqui, quero me deter sobre uma: a instabilidade jurídica. Ela é fruto de uma desconfiança patente dos órgãos de controle. Polícia, Ministério Público e Judiciário encaram com ceticismo aqueles que atuam ou dizem atuar no mercado de apostas. Essa desconfiança dos órgãos de controle se traduz em um cenário de maior vigilância que ora encontra problemas reais e ora problemas imaginários.
Esse é um cenário que incrementa os riscos jurídicos (particularmente os penais) de quem pretende se relacionar empresarialmente com o setor de algum modo. Essa participação pode ser mais direta (ingressando no negócio) ou mais marginal (publicidade, por exemplo). Gusttavo Lima iniciou a relação com a “Vai de Bet” como garoto-propaganda.
Se há um incremento do risco jurídico, há também um incremento do dever dos advogados em informar o empresariado do novo panorama. Um exemplo ajuda a ilustrar a questão.
Você sabia que, antes de comprar um imóvel, é recomendável contratar um arquiteto para vistoriar o local? Um imóvel – em especial, os mais antigos – pode precisar de reformas cujos limites e possibilidades só podem ser determinados pelo profissional. A questão é que, por vezes, os contornos dessa reforma potencial podem influenciar na decisão de compra.
E o que tudo isso tem a ver com Gusttavo Lima e o mercado de bets? Muito.
Do mesmo modo que não se pode exigir de uma pessoa leiga que soubesse da necessidade de contratar o arquiteto, não é razoável querer que um cantor soubesse dos riscos penais da atividade empresarial em que entrava.
O ponto é que esse cenário de vulnerabilidade informacional do cliente impõe um dever ao profissional.
Do mesmo modo que os arquitetos precisam educar seu público acerca dessa demanda real, mas invisível ao leigo, cabe ao advogado capacitar o cliente a enxergar aquilo que lhe era oculto. Em se tratando de riscos jurídicos-penais, creio que esse caminho informacional passe pelo diálogo de criminalistas com os colegas de outras áreas.
Meu ponto é que, se não queremos que o empresário aprenda pela dor (como o cantor), é preciso conscientizá-lo quanto àquilo que é real, mas invisível aos seus olhos.
Aqui vai a primeira lição: o grau de vínculo com o negócio determina a medida de aumento do risco jurídico-penal.
Vimos muitos influencers envolvidos na propaganda de bets, mas pouquíssimos são vinculados de forma consistente ao negócio. Uma coisa é ser garoto-propaganda, outra é ser sócio. Gusttavo vinculou a remuneração da publicidade ao recebimento de participação acionária na empresa. Atrelar uma coisa à outra dessa forma implicou mais risco jurídico-penal (o que provavelmente ele não sabia).
Lição nº 2: empresários, ouçam seus advogados, profissionais treinados para utilizar o conhecimento jurídico para agregar valor ao seu negócio. Imaginem o dano reputacional e financeiro que tanto o cantor quanto a empresa tiveram. Tudo poderia ter sido evitado, bastasse a adoção de certas cautelas, visíveis apenas aos olhos treinados.
No caso de Gusttavo Lima, a história é uma espécie de cautionary tale – um conto de advertência para alertar o leitor de um perigo – na qual esse autor ocupa o papel de contador. Que o leitor nos ouça para que sua relação empresarial com o mercado de bets seja um exemplo a ser seguido e não evitado.
Luiz Augusto Rutis, advogado criminalista, professor de Prática Penal no IDP e mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP
