Por Daniel Cerveira
A participação nas vendas dos lojistas está no DNA do setor de shopping centers. Ou seja, são raríssimas as operações instaladas nos centros de compras que não suportam o chamado aluguel percentual ou variável. Como regra, os contratos de locação respectivos estabelecem o aluguel mínimo (normalmente em dezembro é cobrado em dobro) e o percentual, devendo o lojista pagar o maior entre eles.
O aluguel percentual, usualmente, é calculado sobre o faturamento bruto do inquilino. Por esta razão, é obrigação dos locatários informar as suas vendas e permitir a ampla fiscalização dos empreendedores.
Nos últimos anos, observamos os shoppings exigirem a instalação de softwares pelos lojistas, de modo a interligar os sistemas e possibilitar a conferência online dos faturamentos. Sob a ótica dos comerciantes, é imprescindível analisarem quais dados poderão ser acessados diretamente pelos centros de compras, no sentido de que, tudo o que for além da verificação do faturamento, não há razão de serem abertos. Por exemplo, informações que envolvam dados pessoais dos consumidores, markup dos produtos, gestão de estoque, perfil de compra dos clientes etc. Isto é, não é justificável o shopping ter acesso a dados sigilosos e estratégicos ou que ferem a legislação vis-à-vis a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Assim, os programas utilizados pelos shoppings devem rigorosamente seguir essas premissas e operarem de maneira que não permitam o vazamento de dados.
Outro ponto que é muito delicado é a definição de quais vendas devem ser computadas no faturamento para fins de apuração do aluguel percentual. Em resumo, atualmente, constata-se um desejo dos shopping centers em incluir disposições contratuais amplas no que tange ao assunto. Ou seja, os pactos vêm redigidos no sentido de que qualquer venda que “passar” pelo estabelecimento deve ser incluída no “faturamento bruto”. Assim, algumas questões aparecem. É razoável o lojista pagar aluguel percentual por uma venda feita pela internet, cuja mercadoria somente foi retirada no estabelecimento? Neste caso não foi o comerciante que atraiu o consumidor ao centro de compras?
Ademais, existem situações em que o valor cobrado pela plataforma de entrega somado ao aluguel percentual inviabiliza o negócio do lojista. Nesse cenário, é justo o lojista pagar o aluguel percentual, considerando que o cliente neste caso também não foi trazido pelo shopping? Não seria mais adequada estabelecer um aluguel percentual reduzido?
Ora, os atrativos dos templos de consumo são inegáveis (segurança, comodidade etc.), porém, é apropriado os empreendedores serem remunerados com base nas vendas dos lojistas, mesmo quando não foram eles que propiciaram o negócio?
Hoje em dia, o chamado omnichannel é questão de sobrevivência dos lojistas, o qual, além da experiência gerada, gera ganhos expressivos na gestão do estoque. Nessa linha, temos um entrave no contexto acima. Imagine uma rede de lojas na qual um cliente, dentro de uma determinada unidade, escolheu um produto que só estava disponível em outra, ambas situadas em shopping centers. Imagine que o cliente resolveu comprar e recebeu o item em sua casa. Neste caso, qual loja deverá o aluguel percentual respectivo? Aquela que atendeu o cliente in loco ou a filial que faturou a venda? Em vista dos contratos de locação, ambas as filiais deveriam incluir a transação no faturamento. É cabível essa duplicidade de cobrança? Será viável economicamente para as redes pagar duas vezes o locativo variável? Óbvio que não.
A velocidade da modernidade traz desafios que devem ser enfrentados pelos agentes com maturidade, bom senso e com o espírito do ganha/ganha.
A interligação dos sistemas e a participação nas vendas online pelos shoppings são realidades que vieram para ficar. Desse modo, é fundamental que os players determinem políticas definitivas sobre esses temas.
Por fim, a atualização da regulamentação legal é estritamente necessária, à luz da notória facilidade dos shopping centers em impor as condições contratuais.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Colunista do site Central do Varejo. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.