Por Iara Raquel Campedeli Senna Vieira (*)
Dezembro, 2024 – As cláusulas restritivas instituídas em escrituras de doação de imóveis, desenvolvem um papel fundamental na garantia de aplicação do direito de propriedade, ao pretenderem a impenhorabilidade, a incomunicabilidade e a intransmissibilidade.
É o próprio Código Civil que preceitua a importância da cláusula de inalienabilidade. O artigo 1.911 dispõe que a cláusula de inalienabilidade importa automaticamente na impenhorabilidade e incomunicabilidade do bem.
Sendo assim, as cláusulas restritivas não permitem que o bem seja penhorado, impedindo a comunicação com o patrimônio do cônjuge, não sendo partilhado ou transmitido a outra pessoa, o que gera uma severa proteção ao interesse do beneficiário da doação, preservando o patrimônio familiar.
Se as cláusulas forem instituídas de maneira legítima, com a concordância tanto do doador, quanto do donatário, no ato da doação, não há qualquer indício de irregularidade ou má-fé.
Contudo, vale o cuidado para que a doação não seja considerada fraude contra credores, não podendo o doador se beneficiar de cláusula restritiva para ocultar patrimônio com intuito de prejudicar os credores.
Sobre o tema, é importante reproduzir os ensinamentos de Ademar Fioranelli e Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza:
“A imposição da cláusula restritiva deve ocorrer no próprio ato da liberalidade (doação ou testamento) e nunca posteriormente. Esse entendimento é perfeito e correto, já que, além de preservar o aspecto moral da questão, está alicerçado em princípios de direito e consubstanciado no conjunto de normas vigentes.” (FIORANELLI, Ademar. Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade. Série Direito Registral e Notarial, 1ª edição, 2ª tiragem, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 29).
“Após o aperfeiçoamento da doação, com a aceitação e o registro, operando-se a transmissão (art. 12.45 do C.C.), não mais há que se falar em imposição de cláusulas, pois o bem não mais estará no patrimônio do instituidor.
Assim, após o registro, será incabível aditamento ou reratificação para imposição das cláusulas eis que o bem já pertencerá ao donatário, não podendo os doadores impor cláusulas sobre bem de terceiro. A imposição das cláusulas após o registro só será possível se houver uma rescisão da doação, retornando o bem aos doadores e a celebração de nova doação com as cláusulas, com todas as consequências decorrentes da prática do ato (pagamento de tributos, lavratura de escrituras, prática de atos no registro imobiliário).” (SOUZA. Eduardo Pacheco Ribeiro de. As restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis – Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Quinta Editorial, São Paulo, 2012.).
Nesse sentido, para se reconhecer eventual nulidade da doação do imóvel, seria indispensável o ajuizamento de uma ação pauliana, com o objetivo de desconstituir o ato de liberalidade, ou pedido expresso na Execução com provas de caracterização de fraude.
Contudo, quando não é constatada fraude à execução, é pacífico o entendimento dos tribunais pela impenhorabilidade de imóvel doado com cláusulas restritivas.
Sobre o tema, assim dispõe o artigo 833, inciso I, do Código de Processo Civil:
Art. 833. São impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
A título de exemplificação, a decisão do Agravo de Instrumento 2184791-70.2023.8.26.0000 esta
A decisão não reflete apenas na mera interpretação da legislação, mas, também, na precaução do Judiciário em assegurar a garantia da aplicação do direito de propriedade em processos de execução ou outras demandas judiciais.
Ante o exposto, nota-se que a intenção das cláusulas restritivas, consiste em fundamental ferramenta para preservar bens doados e garantir a proteção de patrimônio familiar, resguardando-o contra chances de riscos, como a penhora desses bens.
Contudo, para que a aplicação das referidas cláusulas possa atender aos seus fins e respeitar as normas do ato de doação – ou testamento, devem atender as vontades e vulnerabilidades do donatário/sucessor e não somente em proveito do doador, além ser serem aplicadas no ato de liberalidade da doação, nunca depois, com risco de ser reconhecida a fraude à execução.
* Iara Raquel Campedeli Senna Vieira é advogada na Granito Boneli Advogados, bacharela em Direito pelo Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP) e pós-graduanda em Direito Processual Civil na PUC-Campinas.
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