Revogação do 0303 pela Anatel amplia riscos de abusos e golpes, avalia especialista

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A decisão da Anatel de revogar a obrigatoriedade do prefixo 0303 para identificar ligações de telemarketing já está em vigor e é vista como um passo atrás na proteção ao consumidor. O advogado Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor, classifica a medida como “um retrocesso, infelizmente, praticado pela Anatel, que, curiosamente, deveria proteger o consumidor”. Para ele, a mudança não só restabelece o incômodo das chamadas em massa, como “abre uma porta perigosa para a possibilidade de golpes virtuais”.

 

O 0303, lembra Ferri, havia dado ao cidadão a chance de decidir com clareza se atenderia ou não a telefonemas. “O consumidor tinha a informação clara do tipo de ligação que estava recebendo. Isso agora ele não tem mais”. A perda dessa previsibilidade coloca novamente o consumidor em uma situação de insegurança, afirma o especialista. “Ele volta para aquela situação de não saber quem está entrando em contato. Então, perde essa proteção.”

 

A justificativa usada pela agência para a revogação foi a de que o prefixo teria estigmatizado as chamadas, levando a um índice baixo de atendimento. Ferri discorda da lógica. “As pessoas não estão atendendo porque não têm interesse. O que essa obrigatoriedade trouxe foi uma previsibilidade para o consumidor”, afirmou.

 

Para ele, a revogação também desrespeita princípios legais mais amplos. “O que aconteceu aqui foi uma regulação interna da Anatel que fica abaixo de leis federais, como o Código de Defesa do Consumidor, que proíbe claramente a disseminação de práticas abusivas”, explica Ferri.

 

Os números da Anatel para as chamadas consideradas de telemarketing abusivo confirmam a dimensão do problema, acrescenta o especialista. “De 2022 a 2024, foram mais de 1 bilhão de ligações indesejadas de telemarketing para os consumidores. Então, a gente faz uma média de mais ou menos 740 ligações por habitante em 2 anos”, destacou. A prática coloca o Brasil em destaque no ranking mundial de chamadas indesejadas: “Nós andamos para trás, o consumidor teve um direito retirado”.

 

Ferri também rebateu outro argumento da agência: o de que o prefixo prejudicaria instituições filantrópicas. “Bastaria que instituições filantrópicas que precisam de doações tivessem outro código. Assim, o consumidor saberia que estava recebendo naquele momento a ligação de uma instituição de caridade e decidiria se gostaria de atender ou não”, explica o advogado. Ao não diferenciar contextos, diz, a Anatel “coloca todo mundo dentro de um mesmo pacote”.

 

A agência estabeleceu que empresas com mais de 500 mil chamadas por mês terão 90 dias para se cadastrar em novo sistema de monitoramento. Mas, para o advogado, o efeito é limitado. “Na prática, essa nova iniciativa não vai ser tão efetiva pro consumidor como era a obrigatoriedade do Código Geográfico. É apenas um paliativo e não vai ter a mesma efetividade que o 0303 já tinha desde 2022”. Ferri observa que empresas usam robôs para mascarar números, o que fragiliza o controle.

 

Diante da decisão, o especialista recomenda que consumidores adotem mecanismos de defesa já disponíveis. “O consumidor pode entrar no Não Perturbe e cadastrar o seu telefone para que não receba mais ligações de telemarketing, promoções por SMS e ligações indesejadas”.

 

Para casos graves, Ferri sugere reunir provas. “Tirar prints do celular, registrar as ligações e até lavrar uma ata notarial”, de acordo com ele, seria importante para fundamentar ações judiciais. E aponta dois caminhos: “Ação coletiva, movida por MP, Procon ou Idec, para combater o ato da Anatel; e ação individual, em que o consumidor pode buscar barrar as ligações e até indenização por danos morais”.

 

Fonte: Stefano Ribeiro Ferri – Especialista em Direito do Consumidor. Assessor da 6ªTurma do Tribunal de Ética da OAB/SP. Membro da comissão de Direito Civil da OAB –Campinas. Formado em direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP)

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