Por Iara Ferfoglia G. Dias Vilardi e Isabela de Almeida Prado Cézari
Com a recente declaração de inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/1985 pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.101.937, com repercussão geral, diversos questionamentos surgem acerca da agora inexistente limitação territorial dos efeitos das sentenças proferidas em ações civis públicas.
Pela especial relevância destes instrumentos para tutela de direitos difusos e coletivos e em especial para direitos do consumidor, e sua ampla utilização pelos legitimados à tutela coletiva, com destaque pelos Ministérios Públicos Estaduais e associações, a declaração de inconstitucionalidade traz indagações de ordem prática para as empresas que exercem negócios em todo o país, como bancos, varejistas, construtoras e prestadoras de serviço em geral.
A decisão proferida tem, segundo o próprio Supremo, potencial para servir de parâmetro para a resolução de quase três mil ações envolvendo discussões semelhantes, pois o reconhecimento da repercussão geral do tema – requisito para que o Supremo possa apreciar o recurso – faz com que a decisão passe a ter efeito vinculante para todo o Poder Judiciário.
Ao excluir a expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”, e voltando a vigorar o texto original do artigo cuja inconstitucionalidade foi declarada, o Supremo dá máxima eficiência ao sistema de tutela coletiva e põe fim à discussão sobre eventual diferença entre competência territorial para julgamento da causa e efeitos decorrentes da decisão judicial.
Conquanto os conceitos não se confundam, a possibilidade de que a sentença proferida por juiz de uma determinada comarca passe a obrigar terceiro não envolvido no processo, ou seja exequível em um outro estado da Federação, gera certa estranheza.
Inicialmente, não houve modulação dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade pelo STF, o que traz indagação sobre se as sentenças pretéritas passam a ser exequíveis e a obrigar os envolvidos para além do limite de competência territorial do órgão prolator.
Questão a ser ponderada, levantada pelo voto do Min. Gilmar Mendes, é a da segurança jurídica em face do conflito entre decisões de procedência quantitativamente e qualitativamente distintas. Como proposta de solução, o STF fixou a tese de que “ajuizadas múltiplas ações, firma-se a prevenção de juízo competente que primeiro conhecer de uma delas para o julgamento de todas as ações conexas”.
Às empresas que tenham negócios por todo o país resta a indagação sobre ser necessário adotar conduta protetiva e preventiva e passar de imediato a incorporar em todos os seus procedimentos e negócios as mudanças trazidas pelas decisões judiciais proferidas no âmbito de ações civis públicas, o que parece ser mais sensato frente aos riscos envolvidos na manutenção de práticas e cláusulas que porventura já tenham sido afastadas pelos Tribunais.
Outro ponto que gera preocupação é a possibilidade de escolha de foro pelos órgãos legitimados. A despeito de a competência para propositura da ação civil pública ser absoluta do local do dano, conforme artigo 2º da lei de regência, em situações envolvendo contratações massificadas, em todo o país, “local de dano” será qualquer um em que uma destas contratações ocorra, respeitando-se a regra de que “em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o artigo 93, II, do Código de Defesa do Consumidor”, sendo, portanto, do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional.
Porém, a possibilidade de propositura em foro da Capital ou no DF para danos de âmbito nacional (assim entendidos, conforme interpretação do STJ, como aqueles ocorridos em pelo menos três Estados da Federação) ou mesmo regional (entendidos como aqueles ocorridos em diversas comarcas de um mesmo Estado) faz com que subsista a indagação sobre a possibilidade de escolha de foro pelos legitimados, em especial as associações, cuja atuação, diferentemente dos Ministérios Públicos Estaduais, não está adstrita a um único Estado.
Considerando o conceito de “dano regional” ou “nacional”, e existente associação que preencha os requisitos estabelecidos pela Lei 7.347 (constituição há pelo menos um ano e finalidade institucional), a ação poderá (como já podia) ser proposta no foro de qualquer Capital ou do Distrito Federal, mas a sentença agora poderá, a depender do caso, valer para o país todo.
Escolhido o local da propositura da demanda, tal juízo restaria prevento para demais ações conexas, conforme terceira parte da tese firmada pelo STF: “ajuizadas múltiplas ações, firma-se a prevenção de juízo competente que primeiro conhecer de uma delas para o julgamento de todas as ações conexas”.
Vê-se, porém, que a questão está longe de ser pacífica, e demandará que se aguarde a propositura de ações nessa nova sistemática para se verificar como serão decididas tais questões.