Recupera-MS e o fortalecimento da cultura de reestruturação empresarial no Brasil

Em um cenário nacional em que a recuperação judicial ainda é muitas vezes tratada como último recurso, o Governo de Mato Grosso do Sul adota uma postura inovadora ao lançar o Programa Recupera-MS. A iniciativa reconhece que apoiar empresas em crise não é apenas uma medida assistencial, mas um ato de preservação econômica, de proteção ao emprego e de defesa do tecido produtivo.

Instituído pela Lei nº 6.488, de 23 de outubro de 2025, o programa abrange empresas em recuperação judicial, falência ou liquidação, e possibilita a regularização de débitos de ICMS e Fundersul, tanto inscritos em dívida ativa quanto em fase administrativa. O diferencial está nas condições: descontos de até 95% em multas e 65% em juros para pagamentos à vista, além de parcelamentos em até 180 vezes, com reduções graduais conforme o número de parcelas. Trata-se de um fôlego financeiro real, que demonstra que o Estado compreende a importância da continuidade das atividades produtivas e da estabilidade fiscal como base para o desenvolvimento.

Medidas dessa natureza revelam um novo olhar sobre a insolvência empresarial. Elas representam um avanço em direção a uma política pública moderna, que enxerga a empresa não como devedora isolada, mas como agente econômico essencial à arrecadação e ao crescimento regional. Essa compreensão é essencial para evitar que recuperações judiciais promissoras se convertam em falências por falta de instrumentos fiscais adequados.

O vizinho Estado de Mato Grosso, com o Decreto nº 819/2024, já havia aberto caminho ao criar um modelo semelhante, contemplando débitos de ICMS até junho de 2023 e permitindo parcelamento em até 180 meses. Entretanto, o Recupera-MS aperfeiçoa essa experiência ao ampliar descontos e abrangência, tornando-se referência regional e exemplo de cooperação institucional entre Fisco, empresas e o Poder Judiciário.

Esse movimento também encontra eco em Goiás e no Distrito Federal, onde programas de renegociação de créditos vêm incluindo empresas em recuperação judicial, reforçando a construção de boas práticas de governança pública e segurança jurídica. No caso sul-mato-grossense, a iniciativa se destaca pela clareza do propósito: restabelecer o equilíbrio fiscal sem asfixiar o setor produtivo.

Para advogados, contadores e gestores, o programa inaugura uma nova etapa no tratamento da crise: a recuperação judicial passa a exigir planejamento tributário articulado e visão estratégica, integrando o jurídico, o econômico e o contábil. Já para o Estado, o programa reforça a importância de manter regulamentos claros, adesão simplificada e transparência nas etapas de execução, assegurando que o benefício se traduza em resultados concretos.

Em síntese, o Recupera-MS materializa uma política de cooperação e confiança mútua. É uma demonstração de que a recuperação judicial é um instrumento legítimo de política econômica, e de que a preservação da empresa é, ao mesmo tempo, preservação de empregos, investimentos e arrecadação. Mato Grosso do Sul dá um passo firme na consolidação de uma nova cultura de reestruturação empresarial — mais técnica, mais humana e mais voltada ao futuro.

Marco Aurélio Mestre Medeiros
Advogado, especialista em recuperação judicial de empresas do agronegócio, sócio-fundador do Mestre Medeiros Advogados Associados, com atuação nacional, e secretário-geral da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB.

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