Proibição de uso da Cannabis prejudica tratamentos médicos, impede a geração de emprego e deixa de movimentar a economia com um mercado estimado em 17.4 bilhões de dólares até 2027
Tema, que está em discussão no Congresso Nacional, ainda é tabu no Brasil por conta da ignorância em cima de um discurso que irá incentivar os jovens a usarem a maconha, quando, na verdade, há uma série de benefícios explorados em todo o mundo, afirma especialista
Uma polêmica altamente discutida e que divide opiniões se refere ao uso medicinal da Cannabis. Apesar de ter eficiência comprovada como uso medicinal no combate a dores como epilepsia, câncer, doenças neurológicas degenerativas, autismo, doenças raras, transtornos pós-traumáticos e tantos outros quadros, o atual panorama da legislação brasileira ainda reluta sobre o acesso terapêutico de medicamentos à base de Cannabis.
A dificuldade não está somente no que tange à legislação, mas também pelo fato de que o cultivo da Cannabis para fins medicinais é enquadrado como crime pela Lei de Drogas.
Henderson Fürst, advogado, presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB Nacional e professor de Direito da PUC-Campinas, diz que se trata de um paradigma desatualizado com as melhores práticas de saúde pública que diversos países adotaram, como Alemanha, Austrália e Canadá. “Embora a RDC 327 autorize a importação do CBD para a produção de medicamento, a exclusiva possibilidade de acesso apenas pelo mercado estrangeiro deixa pacientes e mercado interno à mercê do câmbio e dos interesses do mercado internacional. E já aprendemos duramente com a pandemia o quão vulneráveis ficamos quando não privilegiamos a ciência, a tecnologia e o mercado nacional”, diz.
De acordo com o especialista, a Constituição determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” e, para tantos pacientes, a Cannabis medicinal seria a melhor prática médica da saúde em seu tratamento. Sendo assim, tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara 399/2015, que estabelece o marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil, para fins exclusivamente medicinais e industriais. “Em 8 de junho deste ano, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, criada especialmente para a análise e debate do PLC 399/2015, aprovou o seu texto final. Com isso, o Projeto de Lei pode, finalmente, ir à votação no Senado Federal, onde também contamos com a sua aprovação. Isso, claro, se não houver recurso de ao menos 1/10 dos membros da Câmara para que o Projeto de Lei seja apreciado pelo seu Plenário”, esclarece.
O tema, porém, ainda enfrenta entraves. Fürst explica que diversos congressistas têm se manifestado contrário ao Projeto de Lei argumentando que não há evidências científicas de seus benefícios e que, se aprovado, o Projeto irá liberar a maconha no Brasil, estimulando jovens a consumirem achando que estão usando remédio. “Trata-se, na verdade, de ignorância. Primeiro, porque há estudos sérios produzidos em grandes centros médicos, como os protocolos para os diversos diagnósticos são conhecidos, ensinados e seguidos mundo afora. Segundo, porque não irá liberar a maconha no Brasil, tampouco estimar jovens ao seu consumo. O Projeto de Lei trata exclusivamente do cultivo realizado por pessoas jurídicas com a destinação restrita de produção de medicamentos e fins industriais diversos”, diz. O advogado complementa, enfatizando que o Projeto de Lei estabelece rigorosos mecanismos de controle da produção, bem como de vigilância sanitária, para garantir que a finalidade do plantio seja exclusivamente medicinal ou industrial, e não recreativo.
Para ele, chegou o momento em que é preciso falar e explorar o cânhamo industrial e desenvolvimento nacional. Somando ao benefício para a saúde, trata-se de um mercado estimado em 17.4 bilhões de dólares até 2027, que tem em torno de 25 mil aplicações industriais e é uma importante ferramenta sustentável – com baixo uso de água, nenhum uso de defensivos agrícolas e alta taxa de captura de carbono da atmosfera.
“Hoje é possível comprar roupas com tecido à base de cânhamo. A situação muda quando falamos de outros tipos de produtos da mesma planta. Os alimentos à base de cânhamo, por exemplo, estão em um limbo regulatório. Não parece haver consenso sobre os motivos da impossibilidade de comercialização em território nacional para produtos derivados de Cannabis que não contenham canabinoides – ou que contenham traços irrelevantes. E, considerando que o quilo da semente de cânhamo possui mais proteínas que o quilo de carnes avícolas, bem como possui os 20 aminoácidos essenciais à alimentação humana, e que estamos num momento em que seis em cada dez famílias brasileiras estão em situação de insegurança alimentar, a regulamentação do cânhamo na alimentação é uma questão estratégica ao combate à fome no país”, sustenta.
Para Henderson Fürst, o grande problema está na Portaria 344/1998, uma regra da ANVISA que gera a proibição de cultivo da Cannabis em território nacional. Como o cânhamo nada mais é do que uma Cannabis sativa com quase 0% de THC, seu cultivo continua proibido. “Contudo, a Portaria 344/1998 deveria apenas regular “substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial”, não a origem de alimentos, tampouco espécies de Cannabis que não tenha condições de uso adulto ou recreativo. “As consequências dessa proibição não são apenas os erros jurídicos implementados e mantidos pela ANVISA. Temos consequências reais para o desenvolvimento nacional. O país, durante uma das piores crises econômicas de sua história, está deixando de arrecadar, gerar empregos e desenvolver sua indústria. Além de não beneficiarmos pacientes que sofrem com dores, deixamos de arrecadar, alimentar e gerar empregos unicamente porque há um tabu acerca do tema”, finaliza.