Por Victor Hugo Siqueira Lottermann
Conforme define o Professor Fredie Didier Jr., “o precedente em sentido lato é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.”.
Importante informar antes que há diferença entre jurisprudência e precedente. Os nobres professores Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni definem como não sendo sinônimos, sendo que cada um agregaria eficácia vinculante distinta.
Ou seja:
“são resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, foi já resolvida uma vez por um tribunal noutro caso. Vale como precedente, não a resolução do caso concreto que adquiriu força jurídica, mas só a resposta dada pelo tribunal, no quadro da fundamentação da sentença, a uma questão jurídica que se põe da mesma maneira no caso a resolver agora.”
Pois bem, esse interpretação feita pelo tribunal é refletida aos casos semelhantes, podendo ser denominada como “tese”, que é chamada na doutrina como ratio decidendi (para os ingleses, para os norte-americanos é chamada de holding), ela nasce da interpretação do juiz ao caso concreto, em outras palavras, a tese se desprende do caso particular julgado no tribunal para assim poder ser aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originalmente construída.
Pontua sobre esse tema de forma didática o nobre professor Fredie Didier em seu Curso de Direito Processual Civil:
“Quando se estuda a força vinculativa dos precedentes judiciais (ex: decisão que fixa a tese para os casos repetitivos), é preciso investigar a ratio decidendi dos julgados anteriores, encontrável em sua fundamentação. Assim, as razões de decidir do precedente é que operam a vinculação: extrai-se da ratio decidendi, por indução, uma regra geral que pode ser aplicada a outras situações semelhantes. Da solução de um caso concreto (particular) extrai-se uma regra de direito que pode ser generalizada. Só se pode considerar como ratio decidenti a opção hermenêutica que, a despeito de ser feita para um caso concreto, tenha aptidão para ser universalizada. ”
Com o passar dos anos foi sendo observado pelos operadores do Processo Civil a necessidade da sua “modernização” atentos a segurança jurídica os tribunais superiores foram uniformizando então suas jurisprudências fazendo com que os juízes de primeiro grau seguissem esses entendimentos. A adoção do sistema de precedentes judiciais está afinado com o paradigma do Estado Constitucional, tendo em vista que o processo civil hoje deve ser, primordialmente, construído à base de princípios da segurança jurídica, igualdade de todos perante o direito e à participação de todos no processo. “Não há Estado Constitucional e não há mesmo direito no momento em que casos idênticos recebem diferentes respostas do Poder Judiciário. Insulta o bom senso que decisões judiciais possam tratar de forma desigual pessoas que se encontram na mesma situação.”
A segurança jurídica, é um dos princípios basilares do constitucionalismo contemporâneo, haja vista que Estado Constitucional é Estado em que haja juridicidade e segurança jurídica. “A juridicidade remete à justiça, que de seu turno remonta à igualdade. O direito à segurança jurídica constitui direito à certeza, à estabilidade, à confiabilidade e à efetividade das situações jurídicas.”
Em outra perspectiva, a segurança jurídica reflete a necessidade de a ordem jurídica ser estável. Esta deve ter o mínimo de continuidade.
“E isso se aplica tanto à legislação quanto à produção judicial, embora não haja, na prática dos tribunais brasileiros, qualquer preocupação com a estabilidade das decisões. Frise-se que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito é um requisito indispensável ao Estado do Direito. Há de se perceber o quanto antes que há um grave problema num direito variável de acordo com o caso.”
O Direito Processual Civil brasileiro chancelou a “obrigatoriedade” dos precedentes em seu artigo 927 ao estabelecer um rol não exaustivo de precedentes obrigatórios.
Desse rol apenas dois que interessam trazer a essa análise:
– Precedentes oriundos de decisões em controle concentrado de constitucionalidade feitos pelo Supremo Tribunal Federal (Artigo 927, I do CPC): os juízes observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade. Ou seja, as decisões do STF nessas situações geram efeito automaticamente vinculante a todos (erga ommes).
– Precedentes produzidos por incidente em julgamento de tribunal – Casos repetitivos e assunção de competência – Formação concentrada de precedentes obrigatórios (Artigo 927, III, do CPC):
“Os juízes e os tribunais observarão os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos. Exige-se que o processo de formação do precedente se dê nesses termos, pois na sua interpretação e na sua aplicação a casos futuros e similares bastará que o órgão julgador verifique se é ou não caso de distinção ou superação. Se não for o precedente será aplicado e a fundamentação originária do julgamento do incidente se incorporará automaticamente à própria decisão que o invoca, sem necessidade de repeti-la ou reelaborá-la.”
Assim se estruturou esse sistema no Direito Processual Civil brasileiro. Importante lembrar que esse conceito de precedente para ser aplicado de forma correta é necessário seguir alguns princípios de extrema importância.
Esse sistema sólido de precedentes fez com que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional modificasse sua forma de atuação, para entender que os precedentes fazem parte do direito vigente, pautando assim as suas atividades com base nos precedentes.
Os artigos 926, 927 e 298 do CPC são densificações de princípios constitucionais. Em especial o artigo 927 do CPC que é considerado o núcleo de criação de aplicação e superação de precedentes. Ele enuncia em 5 incisos as hipóteses de decisões judiciais que juízes e tribunais deverão observar. Somando-se a esses incisos ao longo do código uma série de regras uma séria de normas que dispõe sobre como esses precedentes serão obedecido, tanto em nível horizontal (dentro dos mesmo tribunais) como vertical (hierarquia judicial). E entre a doutrina o professor Luiz Guilherme Marinoni defende que as 5 hipóteses do artigo 927 trazem precedentes obrigatórios vinculantes, que juízes e tribunais não apenas observarão, mas respeitarão aquelas decisões judiciais advindas em quaisquer desses incisos.
[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 15. Ed. – Salvador:Ed. Jus Podivm, 2020. v.2. p. 557.
[2] MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 2/3
[3] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. José Lamego (trad). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p.611)
[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 15. Ed. – Salvador:Ed. Jus Podivm, 2020. v.2. p. 557.
[5] MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 2/3
[6] MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 2/3
[7] MARINONI, Luiz Guilherme. Processo civil – estudos em homenagem ao professor doutor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira / Daniel Mitidiero, Guilherme Rizzo Amaral (coordenadores); Maria Angélica Echer Ferreira Feijó (organizadora).—São Paulo : Atlas, 2012. P.310
[8] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 15. Ed. – Salvador:Ed. Jus Podivm, 2020. v.2. p. 581-582.
[9] RECURSOS e Reexame necessário por Paulo Mendes de Oliveira [Congresso]. [S. I.: s. n.] 2016. 1 vídeo (42 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ch6AdIyt0eQ&list=PLmvkmprItGB6prh-PoGaBURcrw1SXW2J1&index=2. Acesso em: 26 dez. 2021.
[10] PRECEDENTES no NCPC – Novas Perspectivas por Ronaldo Campos [Seminário]. [S. I.: s. n.] 2016. 1 vídeo (35 min.) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uKvUFoRBp04. Acesso em: 26 dez. 2021.