O dever fiduciário e a autonomia dos membros de Conselho de Administração
O regime de deveres e responsabilidades dos administradores de companhias é um dos pilares fundamentais da Lei das Sociedades por Ações. Com a transferência para os administradores de atribuições antes centralizadas nos acionistas, aqueles assumem um papel de destaque.
- Flávia Leivas da Rosa
O regime de deveres e responsabilidades dos administradores de companhias é um dos pilares fundamentais da Lei das Sociedades por Ações. Com a transferência para os administradores de atribuições antes centralizadas nos acionistas, aqueles assumem um papel de destaque. Atualmente, a gestão das empresas pode ser conduzida tanto pela diretoria quanto pelo conselho de administração, conforme respectivas atribuições definidas em lei e nos estatutos sociais. Esse deslocamento de autoridade requer que os administradores estejam submetidos a um conjunto de deveres e responsabilidades que assegurem um desempenho eficaz de suas funções, mantendo-se alinhados a padrões de conduta bem definidos.
É essencial entender que o legislador não buscou inibir a atividade gerencial ao criar esses deveres, mas sim assegurar que, mesmo com liberdade e autonomia na tomada de decisões, os administradores estejam cientes dos padrões éticos e legais que devem ser seguidos. A lei estabelece uma série de deveres, sendo o dever de diligência um dos mais importantes. Esse dever não implica garantia de resultado, mas sim que a ação foi praticada de forma razoável e atenta aos interesses da companhia.
O conselho de administração, com seu caráter colegiado, busca reunir uma diversidade de experiências e qualificações em seus membros para enriquecer os debates e trazer diferentes perspectivas. É crucial que, ao identificar que uma decisão não é adequada para a companhia, o conselho intervenha e alerte os acionistas.
O business judgment rule é um dos principais princípios que protegem as decisões tomadas pelos administradores, principalmente pelos membros do conselho de administração. Esse princípio reconhece a liberdade dos administradores para tomar decisões empresariais sem o temor de responsabilização legal, desde que atuem de boa-fé e com diligência. Dessa forma, os tribunais não devem interferir nas decisões administrativas, a menos que identifiquem má fé, conflito de interesses ou negligência na tomada de decisão. Isso significa que os conselheiros não serão responsabilizados por decisões que, mesmo que resultem em prejuízo para a empresa, tenham sido tomadas de forma criteriosa e baseadas em informações disponíveis na época da deliberação.
Apesar de ser um componente fundamental da governança corporativa, o business judgment rule não isenta os administradores de agir com diligência e cautela razoáveis. Conflitos entre interesses sociais e individuais são comuns, especialmente em companhias com dispersão acionária. Assim, é essencial que os administradores atuem em prol da companhia como um todo, garantindo a continuidade e o sucesso de seu objetivo social.
A recente renúncia do conselheiro independente da Vale S.A exemplifica a relevância do dever fiduciário e da autonomia do conselho de administração. Motivada por divergências em decisões estratégicas, preocupações éticas e questões de governança corporativa, tal decisão demonstra como os conselheiros estão sujeitos a uma série de deveres e responsabilidades que devem ser cumpridos diligentemente e em consonância com os interesses da empresa. O conselheiro, ao renunciar, pode ter agido em conformidade com seu dever de intervenção, caso tenha identificado questões que considerou prejudiciais para a companhia e optou por se desvincular da situação.
A renúncia do conselheiro independente de uma das principais empresas do país ressalta a importância do dever fiduciário e da autonomia do conselho de administração na governança corporativa. Estes princípios orientam as ações dos administradores, influenciando o desempenho e a reputação das empresas. O dever fiduciário e a autonomia, portanto, são elementos cruciais para o adequado funcionamento das companhias, assegurando que as decisões sejam pautadas por padrões éticos, legais e de diligência, promovendo o crescimento sustentável e protegendo os interesses de todos os acionistas.
*Advogada da área de M&A do escritório Souza Okawa Advogados